Estados que precisam de ajuda federal temem ficar vulneráveis à guerra fiscal

O Globo

 

As condições do programa de ajuda financeira aos estados, em formatação no governo, reacendem o risco de uma guerra fiscal entre os entes. Entre as contrapartidas do chamado Plano de Equilíbrio Financeiro, que deve ser divulgado até o fim do mês, estão a redução de subsídios e a proibição de concessão de novos incentivos fiscais. Isso preocupa os governadores que precisam da ajuda, principalmente depois que São Paulo anunciou um pacote de incentivos à instalação de montadoras. Impedidos de competir com os mesmos incentivos, os estados em crise temem perder empresas e indústrias, vendo o desemprego subir e suas receitas caírem ainda mais.

 

O plano de socorro aos estados, proposto pelo ministro Paulo Guedes, vai viabilizar empréstimos às unidades da federação principalmente por meio de bancos privados com garantias da União. A ideia é liberar o dinheiro na mesma proporção dos ajustes exigidos feitos pelos governadores.

 

Em melhor situação financeira, São Paulo anunciou este ano uma série de incentivos para atrair empresas. Para o setor automotivo, por exemplo, foram oferecidos até 25% de desconto no ICMS sobre investimentos, como no acordo com a GM. Para as aéreas, houve redução de tributos sobre combustível de aviões.

 

Para a secretária de Fazenda de Goiás, Cristiane Alkmin Schmidt, São Paulo não faz nada ilegal, mas prejudica estados menores e acirra desigualdades, uma vez que sua economia já é a mais atraente para a indústria. A economia goiana já vê ameaças, como a possível transferência da fábrica da Caoa em Anápolis (GO) para São Paulo. O secretário de Tributação do Rio Grande do Norte, Carlos Eduardo Xavier, tem a mesma preocupação:

 

“A gente precisa muito do plano de equilíbrio fiscal, mas proibir incentivos é muito perigoso para os estados do Nordeste, que conseguem atrair algumas empresas com benefícios. A gente pode perder empresas e empregos”.

 

Gustavo Barbosa, secretário de Fazenda de Minas Gerais (um dos estados em situação financeira mais crítica), lembra que a questão em torno de benefícios tributários estava pacificada até pouco tempo entre os estados , mas voltou a preocupar com os últimos movimentos paulistas:

 

“Causa estranheza que o estado mais rico do país vá nessa linha. Uma guerra fratricida não ajuda ninguém”.

 

O secretário de Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, diz que não disputa investimentos com outros estados. No caso das montadoras, por exemplo, argumenta que agiu em meio a uma disputa por investimentos que envolve todo o mundo:

 

“São Paulo não está concorrendo com outros estados. Está concorrendo com outros países. A decisão da GM não era entre São Paulo e Mato Grosso. Era sair do Brasil” afirma. “Estamos fazendo o contrário de uma guerra fiscal. Não é nosso interesse. O país tem que competir com o mundo, pois são companhias que estão no mundo inteiro”.

 

Crise fiscal é mais grave

 

Meirelles afirma que a redução do ICMS proposto para o setor vai se dar no que seria pago a partir dos novos investimentos, não sobre a produção atual. Por isso, argumenta que haverá ganho tributário.

 

O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, diz que os estados em crise terão de assistir às melhores condições das unidades federativas em melhor situação para atrair investimentos, com o aprofundamento das desigualdades regionais. Mas, para ele, o mais importante é ter uma solução para a grave situação financeira que inviabiliza a gestão dos governadores:

 

“O que os estados devem nos últimos quatro anos, incluindo salários, fornecedores e incentivos já prometidos em outros programas, soma cerca de R$ 74 bilhões. Tem fila na porta”.

 

José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e do Ibre/FGV, avalia que é compreensível que governos estaduais queriam atrair ou segurar empreendimentos que gerem emprego e renda em seu território, mas vê falta de critério:

 

“O que não dá para entender é o estímulo a negócios que, no futuro não muito distante, serão decadentes. Não é só em São Paulo ou no Brasil que estão sendo fechadas fábricas automobilísticas, mas no mundo todo, inclusive nos países ricos. Não é preciso estudar muito para saber que a expectativa é que cada vez menos sejam usados, comprados e produzidos carros particulares”. (O Globo/Eliane Oliveira, Manoel Ventura e Marcello Corrêa)