O Estado de S. Paulo
No último artigo, tratamos das principais mudanças que estão ocorrendo no mundo e que deverão levar a uma nova rodada de consolidação no setor automotivo. As mudanças certamente afetarão nosso País. Mas de que forma?
O impacto mais evidente é que os grupos mais pressionados lá fora buscarão aumentar a rentabilidade de suas filiais (ou, pelo menos, que não percam dinheiro) ou, se isso não for possível, o caminho da venda ou o do encerramento de atividades. Por exemplo, a GM vendeu a Opel alemã há algum tempo. É também por isso que essa companhia e a Ford têm se movimentado nessas direções por aqui.
A grande recessão pela qual passamos ocorreu logo após um período de forte expansão no número de companhias e de novas fábricas no Brasil, estimuladas pelo programa Inovar-Auto. Estima-se que a capacidade de produção instalada hoje seja superior a 5 milhões de unidades, enquanto a produção caiu para a faixa dos 2 milhões de carros em 2016. Essa grande ociosidade pressiona os custos, dada a sensibilidade do segmento aos ganhos de escala.
Ainda levaremos de três a quatro anos para encher totalmente as fábricas, especialmente agora com o tombo das exportações, resultante da recessão pela qual passa a Argentina.
O mercado tem fábricas demais.
A situação acima descrita produziu grande competição entre as diversas companhias. Sua característica maior é que as quatro marcas mais antigas (Volkswagen, Fiat, GM e Ford) vêm perdendo consistentemente participação no mercado há uma década. Em 2008, as quatro companhias tinham 76,7% do mercado, enquanto as novas (Renault, Hyundai, Honda, Nissan e Toyota) tinham apenas 14,4%.
No início deste ano, vemos uma situação totalmente diferente: as mais antigas detêm 54,7%; e as mais novas, 33,6%. Por trás dessas mudanças, temos de considerar a disputa entre fábricas recentemente construídas, com a respectiva tecnologia, e fábricas veteranas com produtividade menor e estrutura de custos mais pesada, especialmente trabalhistas.
Nunca fomos adiante no conceito do livre mercado dentro do Mercosul, o que teria efeitos alocativos e de eficiência muito importantes. Ficamos sempre no meio do caminho, com uma regulação complicada, que eleva os custos aqui e na Argentina. A culpa maior é dos governos, especialmente o dos hermanos, que sempre sucumbiu à pressão da indústria local, incluindo a de autopeças, muito menos competitiva.
O problema resultante é que acabou por reforçar-se a falsa “solução” de compensar ineficiências setoriais com doses elevadas de incentivos fiscais, estimulando-se, inclusive, uma guerra entre Estados, agora tardia e equivocadamente incorporada pelo Estado de São Paulo. Ora, em época de crise fiscal e de recessão, o caminho dos incentivos fiscais fica totalmente prejudicado, expondo uma crise. Mais forte em fábricas velhas e concentrada em determinadas companhias.
É nesse contexto que as mudanças no mundo pressionam por maior abertura ao comércio internacional. Como introduzir carros elétricos sem importá-los, enquanto o mercado se desenvolve? É também nesse contexto que se coloca o caso do acordo de livre comércio com o México, recentemente implementado.
Finalmente, as empresas automotivas que operam no Brasil nunca valorizaram adequadamente o grande ativo que o País desenvolveu: o etanol.
Dessa forma, nunca buscaram, de verdade, melhorar a eficiência dos motores flex e reduzir seu consumo. Não exploraram adequadamente o que significa ter um ativo ambiental crescentemente mais valioso num mundo onde a agenda de combate ao aquecimento global é cada vez mais relevante. Apenas agora, tardiamente, a questão da eficiência foi incorporada de forma mais profunda no novo programa Rota 2030.
Ademais, motores mais eficientes reduziriam a vulnerabilidade do País e dos consumidores a choques de preços do petróleo, ainda bastante recorrentes.
O setor automotivo ainda passará por grandes emoções, tanto lá como cá. Sua importância continuará elevada e o que se deseja é uma trajetória realmente construtiva, sem mágicas e anabolizantes. (Agradeço os comentários de Tereza F. Dias da Silva, da MB Associados). (O Estado de S. Paulo/José Roberto Mendonça de Barros, economista e sócio da MB Associados)