Isto É Dinheiro
“Não vamos continuar investindo para perder dinheiro”, disse a presidente global da General Motors, Mary Barra, no começo do ano, ao se referir às operações deficitárias no Brasil e na Argentina. Funcionários chegaram a ser comunicados da ameaça de fechar as portas e deixar o País. Apenas dois meses depois da declaração que caiu como uma bomba para o setor, a montadora que produz o carro mais vendido no mercado brasileiro sinaliza que tudo pode ter sido parte de uma manobra agressiva para forçar a redução de custos e receber incentivos fiscais. Na terça-feira 19, essa tese ficou ainda mais evidente, já que o presidente da companhia na América do Sul, Carlos Zarlenga, anunciou um investimento de R$ 10 bilhões, pelos próximos cinco anos, para as fábricas de São Caetano no Sul e de São José dos Campos, no interior paulista. O aporte foi confirmado na mesma semana em que Brasil e México deram início ao acordo de livre comércio para automóveis e autopeças. No caso da GM, o País importa da operação mexicana modelos como Tracker e Equinix. Na contramão, exporta o Chevrolet Onix.
Reação
Sob pressão de sindicatos e fornecedores, Zarlenga rebateu as acusações de blefe sobre a eventual saída do País. “As operações brasileiras da indústria estão dando prejuízo às matrizes há anos ou, no máximo, lucros marginais que não cobrem o custo de capital mínimo esperado para o risco de investimento”, disse o executivo, em texto publicado no Valor. E completou: “Blefar seria não fazer diferente.” O discurso parece contraditório. Pelo volume de vendas, a GM goza dos melhores resultados entre as montadoras no Brasil. No ano passado, a fabricante emplacou 434,3 mil veículos, uma alta de aproximadamente 20% em comparação com o ano anterior. Apenas do recordista Onix foram 210,4 mil unidades comercializadas em 2018 – o dobro do segundo modelo mais vendido no País, o Hyundai HB20.
Entre os especialistas, há consenso de que abandonar o Brasil agora – um momento em que o mercado dá claros sinais positivos depois de anos de crise – não faria sentido. Ainda assim, não é exagero dizer que a montadora ganhou um bom motivo para ficar. No que parece quase um acordo costurado especificamente para a GM, o governo estadual lançou no dia 8 de março um programa de incentivos que concede descontos de até 25% no valor do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para empresas do setor automotivo que apresentem planos de investir pelo menos R$ 1 bilhão e gerem no mínimo 400 novos postos de trabalho. Além do corte no imposto, a fabricante obteve isenções de IPTU e ISS em São Caetano e São José dos Campos. “Tudo isso viabilizou o futuro da nossa indústria”, disse Zarlenga, durante o evento do anúncio.
O economista e professor da Universidade de São Caetano do Sul (USCS), Jefferson José da Conceição, avalia o programa de incentivo do governo como positivo, mas alerta que a medida talvez ainda não seja suficiente para toda a indústria. Há um mês, a Ford anunciou o fechamento da fábrica de carros e caminhões em São Bernardo do Campo, também no ABC paulista. “Com o início de um novo governo, o ideal seria investir em uma política nacional em que os Estados tivessem a opção de aderir com diferentes incentivos”, diz. “Além dos tributos, é necessário melhorar as condições de financiamento, taxas de juros e tarifas de importação”.
Zarlenga não deu mais detalhes sobre a distribuição do investimento, mas garantiu que o valor será aplicado em produtos, novas tecnologias e conectividade. Para Milad Neto, analista da consultoria Jato Dynamics, a aposta está alinhada com a expectativa dos consumidores. “As pessoas são sedentas por mudanças e não querem mais um produto com poucas modificações”, diz. “As montadoras precisam seguir o movimento natural de integrar o veículo com o celular. Se você não tem como suprir isso você está fora do mercado.” Tenha sido uma ameaça real ou um blefe, a manobra da GM parece ter dado certo. (Isto É Dinheiro)