O Estado de S. Paulo
No último dia 8 o governo de São Paulo anunciou a criação de um benefício (denominado IncentivAuto) para montadoras que investirem no Estado. Considerando que há poucas semanas São Paulo anunciou a redução do ICMS cobrado sobre o querosene de aviação, começa a ficar clara sua intenção de entrar de forma mais incisiva na guerra fiscal do ICMS. Embora possa fazer algum sentido do ponto de vista da estratégia paulista de atração de investimentos, para o conjunto dos Estados o resultado é claramente negativo, agravando uma situação já preocupante de crise fiscal.
Embora São Paulo já concedesse benefícios fiscais de ICMS, o uso desse recurso era, no geral, mais moderado que a atuação da maioria dos demais Estados do País na guerra fiscal. Ao que tudo indica, o governo Doria resolveu ampliar a utilização deste instrumento de atração de investimentos.
A estratégia de São Paulo foi facilitada pela aprovação, em 2017, da Lei Complementar (LC) n.º 160, que viabilizou a convalidação dos benefícios da guerra fiscal do ICMS (que até então eram concedidos de forma ilegal) e permitiu a concessão – por até 15 anos – de benefícios semelhantes aos já existentes. Em particular, a LC 160 permitiu a “cola” regional dos benefícios, ou seja, a concessão por um Estado de benefício semelhante ao já concedido por outro Estado da mesma região. Esse dispositivo da LC 160 foi, aliás, utilizado como justificativa para o decreto que instituiu o IncentivAuto.
Segundo o anunciado quando do lançamento do programa, o benefício seria necessário para viabilizar novos investimentos no País de montadoras que se encontram em situação financeira delicada. Do ponto de vista das políticas públicas, trata-se de uma estratégia questionável, pois apenas reforça o padrão da fracassada política industrial para o setor – que tem por fundamento a proteção da produção nacional e tem levado a uma multiplicação do número de montadoras, mas não a ganhos de escala e escopo que seriam necessários para uma integração do País nas cadeias globais de valor.
Mas o problema mais sério diz respeito à ampliação da participação de São Paulo na guerra fiscal do ICMS. Em princípio, a estratégia parece fazer sentido para o Estado como forma de atração de investimentos. Para o conjunto dos Estados, no entanto, o resultado é claramente negativo, pois – ao contrário do que alega o discurso oficial – o principal efeito da concessão dos benefícios por São Paulo é apenas deslocar investimentos que seriam realizados em outros Estados. A reação dos demais Estados pode ser a de aceitar a perda dos investimentos ou reagir a São Paulo e conceder benefícios ainda mais generosos. Em todos os cenários, o resultado final, para o conjunto dos Estados, é uma perda de receita, agravando a já séria crise fiscal dos entes subnacionais.
Alguns analistas entendem que a estratégia paulista de entrar de cabeça na guerra fiscal pode ter como objetivo forçar o conjunto dos Estados a buscar uma limitação coordenada na concessão de benefícios. Minha impressão é outra. Não apenas porque o atual governo de São Paulo realmente parece acreditar que essa é uma boa política de desenvolvimento, mas também pela enorme dificuldade de construir um acordo de limitação de benefícios entre todos os Estados. Ao contrário, com a Lei Complementar 160, a tendência é de que aumente a disputa pela atração de investimentos entre os Estados, reduzindo cada vez mais a receita de ICMS e agravando a crise fiscal da Federação.
Tal situação apenas reforça a necessidade de construção de uma saída que viabilize a eliminação gradual dos benefícios. Para mim a melhor solução, já comentada nesta coluna mais de uma vez, parece ser a realização de uma ampla reforma da tributação de bens e serviços, que permita a progressiva substituição do ICMS (e, consequentemente, a progressiva redução dos benefícios da guerra fiscal) por um bom imposto sobre o valor adicionado. (O Estado de S. Paulo/Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal)