O Estado de S. Paulo/Reuters
Os Estados Unidos se comprometeram ontem a apoiar a candidatura do Brasil a membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O pleito brasileiro foi encampado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que vê a adesão ao chamado clube dos países ricos como um selo internacional de confiança no Brasil. “Estou apoiando o Brasil para entrar na OCDE”, disse Trump no Salão Oval da Casa Branca, onde recebeu o presidente Jair Bolsonaro.
O apoio formal dos EUA para a entrada do Brasil na OCDE é considerado crucial, mas veio com uma contrapartida. Em troca, o governo brasileiro concordou em “começar a renunciar” ao tratamento diferenciado dado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) aos países em desenvolvimento. Para os EUA, isso ajudaria a abrir caminho para a reforma que o país propõe nas regras globais de trocas comerciais.
O governo americano era contra a entrada simultânea de vários países na OCDE, alegando que isso prejudica o trabalho da organização. Embora considerado um “clube dos ricos”, a organização tem membros como Colômbia e Letônia – economias bem menores do que o Brasil – e Turquia, que enfrenta uma grave crise econômica. A fila de países que já pediram para entrar inclui Argentina, Peru, Croácia, Romênia e Bulgária. Trump já se manifestou a favor da candidatura dos argentinos.
Após a reunião privada, o presidente americano confirmou o posicionamento à imprensa nos jardins da Casa Branca. “Nós vamos apoiar. Vamos ter uma boa relação em diferentes formas. Isso é algo que vamos fazer em honra ao presidente (Bolsonaro) e ao Brasil.”
Motivação brasileira
Entrar para a OCDE, que reúne hoje 36 nações que estão entre as mais ricas do mundo, pode favorecer a atração de investimento internacional e a captação de recursos no exterior a uma taxa de juros menores. Isso porque, para fazer parte do clube, é preciso atender a uma série de requisitos de caráter liberal. Além de ser uma arena de debates, o organismo define políticas de boa governança e fornece plataformas para comparar políticas econômicas ou coordenar políticas domésticas e internacionais.
Para Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, se adequar à cartilha defendida pela OCDE seria justamente o maior benefício de fazer parte da organização. Segundo ele, no entanto, é preciso fazer uma avaliação mais detalhada das vantagens que o País perderia ao deixar o status de “emergente” na OMC. “Um país em desenvolvimento pode, por exemplo, dar mais subsídios ao setor agrícola”, explica Barral.
Na avaliação do economista Fabio Silveira, da Macrosector, a entrada na OCDE é um “formalismo tolo” – o País já é parceiro-chave da instituição desde 2007 – e ceder na OMC será desvantajoso. “O Brasil vai continuar a ter uma situação fiscal grave. E ainda perderia algumas vantagens por carregar.” O economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, reforça que a entrada na OCDE, por si só, seria um feito inócuo. “Não adianta ter melhora da posição internacional e não traduzir isso internamente, mostrar que o Brasil é uma economia interessante.”
Contrapartida
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse a jornalistas antes do anúncio da Casa Branca que o representante comercial dos Estados Unidos, Robert Lighthizer, estipulou uma condição. O americano sinalizou a Guedes que, se o País é “uma economia madura, uma das maiores, então tem que sair do grupo favorecido da OMC. “Fiz o meu pedido: quero entrar na primeira divisão. Ele falou: então me ajuda a limpar a segunda divisão”, explicou.
Os EUA tentam emplacar uma reforma da OMC e uma das mudanças pretendidas é impedir que países sejam classificados como “em desenvolvimento”, o que abre o espaço para as negociações de acordos de preferências comerciais.
O comunicado dos dois países aponta: “Seguindo seu status de líder global, o presidente Bolsonaro concordou em abrir mão do tratamento especial e diferenciado na OMC, em linha com a proposta dos EUA”.
Entenda
A tentativa de transformar o Brasil em um membro efetivo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) teve início há quase dois anos, em junho de 2017, ainda no governo Michel Temer. Embora considerado um “clube dos ricos”, a organização tem membros como Colômbia e Letônia – economias bem menores do que o Brasil – e Turquia, que enfrenta uma grave crise econômica. A noção é que a entrada nesse grupo pode ajudar a atrair investimentos internacionais e a captar recursos com juros mais baixos. Atualmente o Brasil é “parceiro-chave” da OCDE – status que conquistou há 12 anos.
Barreiras comerciais
No encontro entre os presidentes, Brasil e Estados Unidos concordaram em acordos para reduzir obstáculos no comércio e investimento. Nos jardins da Casa Branca, Trump afirmou que os dois países iriam estabelecer uma relação “justa”.
Por meio de uma comissão entre os dois países de relações econômicas e de comércio, Brasil e Estados Unidos pretendem explorar “novas iniciativas para facilitar comércio, investimento e práticas regulatórias”.
O Brasil anunciou com a cota de importação de 750 mil toneladas de trigo americano a uma tarifa zero de impostos e também com o “estabelecimento de bases científicas para a importação de carne suína produzida nos EUA”. Os EUA pressionam o Brasil pela abertura de mercado para a carne de porco, o que deve passar por avaliação de questões fitossanitárias.
Em contrapartida, os EUA concordaram em marcar a visita técnica ao Brasil para reabrir o mercado americano para carne crua bovina brasileira. Os americanos aumentaram os testes de qualidade sobre a carne fresca importada do Brasil depois da Operação Carne Fraca. Três meses depois da repercussão internacional da operação, o Departamento de Agricultura americano suspendeu a importação de carne crua brasileira.
A partir de então, o Brasil entrou em uma longa negociação e submeteu aos EUA uma série de formulários para certificar a qualidade da carne bovina fresca. A última etapa para reabertura do mercado é a visita técnica de autoridades dos EUA. Apesar de ser um mercado relativamente novo ao País, a venda para os americanos é vista como importante referência para as operações internacionais.
Os dois países também se comprometeram a negociar o acordo de reconhecimento mútuo de exportadores e importadores de larga escala, para facilitar as operações comerciais. Este era um dos acordos que o Brasil queria colocar no papel já nesta visita, mas houve apenas a intenção registrada no comunicado entre as duas nações.
Brasil e Estados Unidos anunciaram ainda a recriação do CEO Fórum, uma reunião de executivos dos dois países para discutir temas comuns.
Os EUA tentam reduzir a influência da China no Brasil. Questionado sobre como iria conciliar os interesses dos americanos e os negócios com os chineses, Bolsonaro afirmou, ao lado de Trump, que vai continuar a fazer negócio com “quantos países forem possíveis”.
Produtores de trigo
Um acordo que prevê a implementação da uma cota isenta de tarifa para moinhos brasileiros importarem trigo americano, foi recebido com preocupações por integrantes do setor agrícola no Mercosul. Pelo pacto, os EUA poderiam exportar 750 mil toneladas do cereal ao ano ao Brasil sem pagar a tarifa de 10% estabelecida para compras do produto fora do Mercosul.
Trigo
No caso do Brasil, um dos maiores importadores globais de trigo, com importações de cerca de 7 milhões de toneladas ao ano, as compras sem tarifa dos EUA poderão fazer concorrência com o produto brasileiro, desestimulando o cultivo. Na Argentina, principal exportador de trigo ao Brasil, a notícia sobre o acordo com os EUA também gerou reclamações. “Se permanecer uma exceção à tarifa de 10%, isso não é tão ruim. Mas se isso se tornar uma norma, então seria extremamente preocupante”, disse o presidente da Câmara da Indústria Argentina de Trigo ArgenTrigo, David Hughes.
Em geral, quando a oferta no Brasil e no Mercosul não é suficiente para atender à demanda dos brasileiros, o governo autoriza uma cota temporária isenta de tarifa.
Pelo acordo firmado entre os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro, a isenção de tarifa para 750 mil toneladas seria permanente. A isenção tarifária para a cota permanente, aliás, faz parte de um acordo na rodada Uruguai da Organização Mundial do Comércio (OMC), mas nunca foi implementado pelo Brasil.
Do total de 1,2 milhão de toneladas de trigo importado pelo Brasil no primeiro bimestre, a Argentina forneceu quase tudo, ou 1,1 milhão de toneladas, segundo dados do governo publicados no site da Associação Brasileira das Indústrias do Trigo (Abitrigo). Dos EUA, pagando tarifa, brasileiros importaram apenas 10 mil toneladas no mesmo período.
No ano passado, das 6,8 milhões de toneladas que o Brasil importou, um volume de 5,9 milhões de toneladas de trigo veio da Argentina e 330 mil do Paraguai, com os EUA vendendo 270 mil toneladas.
A Abitrigo afirmou que apenas vai se pronunciar quando receber a confirmação do acordo. No entanto, uma fonte do setor no Paraná disse, pedindo anonimato, que o setor sempre trabalhou para que não ocorresse a isenção tarifária, para evitar a concorrência com o produto nacional. (O Estado de S. Paulo/Reuters/Beatriz Bulla, Ricardo Leopoldo, Luciana Dyniewicz e Bárbara Nascimento)