AutoPapo
Em uma conversa sobre o mercado automotivo para pessoas com deficiência (PcD), fui questionado sobre qual montadora é a mais “parceira” do deficiente, qual está mais atenta às necessidades desse público. Depois de pensar um pouco, respondi: “nenhuma”.
Pensando nas necessidades específicas deste público: essa é a realidade, nenhuma montadora de automóveis age em prol do PcD. A única coisa que fazem é dar descontos extras em alguns modelos, além da isenção de impostos. Isso, a maioria faz.
“Mas isso não é pensar no deficiente?” O bolso do deficiente nem sempre é sua maior necessidade. E com certeza não é a única.
Pessoas com deficiência geralmente têm limitações que impedem ou dificultam a execução de algumas tarefas, e a direção de um veículo é uma atividade complexa. Para o público PcD, a dificuldade começa antes mesmo de entrar no veículo. Pessoas que usam cadeiras de rodas, muletas ou aparelhos de auxílio à locomoção precisam de portas amplas e com grande ângulo de abertura para se aproximar mais do banco e chegar com facilidade até ele.
Cadeirantes com maior comprometimento dos movimentos têm dificuldade para passar da cadeira para o banco do carro, portanto seus carros não podem ter muitos apliques de plástico na lateral ou soleira muito larga, pois o banco não pode ficar muito longe da cadeira. Esses, muitas vezes tem que comprar acessórios como tábuas de transferência para escorregar da cadeira até o banco.
Passando para dentro do carro, pessoas com deficiência (PcD) precisam ter comandos à mão e que não demandem muita força para operar. O melhor exemplo é o freio de mão, difícil de ser usado por quem tem menos força nos braços e mãos. O fato é que não existem acessórios originais ou características de veículos que sejam desenhadas para suprir necessidades específicas de quem tem limitação.
Nunca ouvi falar de um comando ou desenho de interior que tenha sido feito pensando não só no motorista comum, mas também naqueles que tem alguma deficiência.
Carros PcD perdem equipamentos essenciais
Não consideram, por exemplo, que grande parte dos deficientes físicos que tem membros inferiores comprometidos estará acelerando e freando o carro com uma das mãos, e precisa ter a maior parte dos comandos do carro em apenas um lado do volante e do painel. Por isso volante multifuncional é um item essencial a muitos deficientes, e, em muitas versões PcD, esses comandos são retirados para cortar custos, já que o limite de isenção está congelado em R$ 70 mil há quase dez anos.
O único volante multifuncional que é mais adequado a quem está com uma das mãos ocupada é o da Chevrolet. Não sei se eles pensaram nas pessoas com deficiência, mas, que eu me lembre, somente nele é possível gerenciar comandos de som e telefone em um dos lados, e no outro o piloto automático, que pode ser usado ao soltar a adaptação, já que permite travar a aceleração. O volante do grupo FCA é o mais completo, porém os comandos são divididos, e fica difícil acessar os que ficam do lado da adaptação.
Boris comenta esse limite de preço. Clique aqui e ouça!
Quanto ao complexo e caro processo para solicitar as isenções de impostos, as montadoras também não ajudam muito. O máximo que fazem é trazer algumas parcas informações nos sites – e olha que há pouco tempo nem isso tinha! Informam quais são as patologias que dão direito às isenções, explicam muito vagamente por onde começar, e só. Quando vamos às concessionárias comprar os caros modelos disponíveis, não ajudam no processo, não pagam nenhuma taxa, o máximo que a gente consegue é o telefone de um despachante que irá cobrar os olhos da cara.
Deficiente tem que se virar
Uma das poucas atitudes voltada ao deficiente que já vi até hoje foi o que fez recentemente a Ford no Salão do Automóvel de São Paulo, ao mostrar um tapete que fica no porta malas do EcoSport e pode ser retirado, encaixado na cadeira e se transforma em uma rampa para que um cadeirante possa transpor uma calçada ou degrau. Muito legal, muito bacana, porém até o momento me parece mais uma jogada de marketing do que um produto para ajudar de verdade o cadeirante. Liguei em duas concessionárias de BH, em uma disseram que “ainda não está disponível” e a outra falou que “ainda é um protótipo, não sabe se vai chegar aos carros”.
Na prática, o deficiente tem que se virar para resolver tudo que precisa para conseguir seu carro adaptado. Desde a solicitação de isenção de impostos até a contratação da empresa que irá adaptar seu carro. E paga uma grana para que tudo seja feito corretamente – e mesmo assim enfrenta um monte de problema. E tem que se virar para se adaptar ao veículo após a aquisição, ou adquirir acessórios para ajudar no dia a dia.
Concessionárias não são acessíveis
É tanto descaso com o público PcD que as montadoras nem exigem que suas concessionárias sejam acessíveis a cadeiras de rodas. Em Belo Horizonte há vários exemplos de falta de acessibilidade. A Jorlan Chevrolet Belvedere tem dois lances de escadas para chegar à recepção. A Forlan Ford tem degrau na entrada, e o cadeirante só consegue acessar a loja se entrar pela lateral. A Bordeaux Peugeot tem lata de lixo a pedal – daquelas que é preciso pisar para abrir – no banheiro para deficientes, e cadeirantes não pisam. A Roma Fiat não tem vaga para deficientes nem no estacionamento do piso superior, e é preciso dar sorte de achar uma vaga que não seja presa e ainda pegar elevador para chegar à recepção.
Há muitos outros exemplos que provam que não é exigido um padrão de acessibilidade, e se a gente reclama, dizem que sabem que está errado, já pediram para melhorar, mas ficam adiando…
Pessoas com deficiência (PcD) e algumas doenças têm direito ao desconto de impostos na compra de um carro novo. Entenda como solicitar a isenção para PcD.
Providências
Já que as vendas de veículos para PcD cresceram tanto, em tamanho e importância, passou da hora de as montadoras prestarem mais atenção a esse público e oferecerem, no mínimo, condições diferenciadas no momento da compra e acessibilidade garantida em suas concessionárias. Poderiam também oferecer acessórios que ajudem de verdade o deficiente, como uma tábua de transferência retrátil, volantes multifuncionais específicos, aquele “tapete/rampa” da Ford, ou qualquer adaptação que facilite a condução ou a vida dos deficientes.
Na pior das hipóteses, alguns acessórios que já existem, como freio de mão eletromecânico ou comando de voz integrado, poderiam estar disponíveis em veículos para PcD, ou, pelo menos, como opcionais. Ou então, poderiam disponibilizar alterações nos comandos existentes, como a possibilidade de alterar a posição das alavancas de comando que ficam atrás do volante ou customizar determinados botões no painel ou no volante. (AutoPapo/Alessandro Fernandes é cadeirante há 12 anos, devido a um acidente de moto. Desde 2009, ele compartilha, no Blog do Cadeirante, o dia a dia de quem tem uma limitação física)