O Estado de S. Paulo
Participo hoje, em Montevidéu, de minha última Cúpula do Mercosul como presidente da República. Nos últimos dois anos, os quatro sócios – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – nos alternamos na presidência do bloco com um objetivo comum: retomar a vocação original do Mercosul para o livre mercado e para a democracia. E assim fizemos: pautados pela busca de resultados concretos, corrigimos os rumos do bloco.
Repusemos o Mercosul a serviço do desenvolvimento de economias mais modernas. Concluímos dois acordos de grande relevo. O primeiro, na área de investimentos, amplia a segurança jurídica e aprimora as condições para quem quer empreender. O segundo, no setor de compras públicas, multiplica oportunidades para empresas brasileiras nos países vizinhos e aumenta a competição em licitações no Brasil, reduzindo despesas para o governo.
Eliminamos dezenas de barreiras ao comércio. Trabalhamos duro para que as regras de nosso bloco sejam, cada vez mais, o que devem ser: garantia de qualidade e segurança para os cidadãos, e não obstáculos à livre circulação de produtos. Atualizamos regulamentos técnicos conforme as melhores práticas internacionais. Estabelecemos acordo sobre direitos do consumidor.
Em nosso relacionamento com o mundo, o progresso não foi menor. Voltamos olhar renovado para a América Latina. Em processo no qual me engajei muito especialmente, realizamos a primeira reunião de presidentes do Mercosul e da Aliança do Pacífico. Adotamos roteiro com vista à convergência em questões como facilitação de comércio, cooperação regulatória, agenda digital. Em momento de persistentes tendências isolacionistas e protecionistas, transmitimos à comunidade internacional mensagem de compromisso inequívoco com a abertura e a integração.
Outra demonstração tangível desse compromisso foram dois novos acordos que celebramos com a Colômbia. Pelo primeiro deles, ampliamos de 84% para 97% o universo de produtos livres de tarifas no intercâmbio com esse país – é acordo particularmente importante para as indústrias automotiva, têxtil e siderúrgica do Brasil. Pelo segundo, garantimos maior segurança no comércio de serviços.
E fomos além da região. Continuamos nos entendimentos com a União Europeia, parceira com a qual já concluímos 12 dos 15 capítulos do acordo que temos em vista. Lançamos negociações com o Canadá, a Coreia do Sul, Cingapura e a Associação Europeia de Livre Comércio (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein). Estamos empenhados em tratativas com a Índia, o Egito, o Líbano e a Tunísia. E ainda agora, em Montevidéu, estreitaremos nossos laços comerciais com a União Econômica Euroasiática (Rússia, Casaquistão, Quirguistão, Armênia e Belarus).
As negociações externas revelam que o Mercosul não é impedimento para a abertura da economia brasileira. Ao contrário, é – quando assim decidimos – plataforma eficaz para inserção mais competitiva de nossos países na economia global.
Em paralelo, também no campo dos valores tratamos de operar, nos últimos anos, uma volta às origens do Mercosul – criado, lembremos, no contexto da redemocratização dos nossos países. Tornamos a honrar essa dimensão fundamental do bloco. Diante da ruptura da ordem democrática na Venezuela, suspendemos o país do nosso exercício de integração. O Mercosul está ao lado do povo venezuelano ao afirmar não mais haver em nossa região espaço para alternativas à democracia.
Este é o Mercosul que temos hoje: um Mercosul que voltou a fazer sentido para as nossas sociedades.
Reconheço que, após os anos de virtual paralisia que o bloco chegou a experimentar, é até certo ponto compreensível que se tenham difundido percepções frequentemente distorcidas sobre o seu significado para o Brasil. Pois me permito rememorar os benefícios do bloco para o povo brasileiro.
Na última década, o Brasil acumulou superávit comercial de US$ 87,6 bilhões com nossos sócios no Mercosul – saldo maior do que os acumulados com a China (US$ 74,1 bilhões) ou com a União Europeia (US$ 22,4 bilhões). E, não será demais recordar, trata-se de comércio altamente concentrado em bens de maior valor agregado. No ano passado, nada menos que 89% das vendas brasileiras para o Mercosul foram de produtos manufaturados (US$ 20,1 bilhões) – em nossa balança com o mundo, essa proporção é de apenas 37%.
O Mercosul é, portanto, mercado privilegiado para a indústria brasileira. Contribui para a geração de empregos – e empregos de qualidade – em nosso país.
Mas os benefícios do Mercosul não se limitam à seara econômica. São vários os interesses brasileiros que requerem a cooperação com os demais países sul-americanos – todos eles membros plenos ou associados do bloco. E o fato é que o Mercosul se tem revelado ferramenta valiosa para a cooperação em temas como combate ao crime organizado, previdência social, reconhecimento de diplomas. É graças ao Mercosul que turistas brasileiros podem viajar pela região sem precisar de passaporte, ou que cidadãos brasileiros podem residir e trabalhar em diversos países vizinhos.
Sabemos que ainda há muito por fazer. Na realidade, sempre haverá. Os tempos mudam e é natural e necessário que o Mercosul mude com eles, que esteja em permanente evolução, à luz dos nossos valores e interesses. Por isso mesmo, é positivo que o bloco seja objeto de constante discussão na sociedade.
Deixaremos como legado um Mercosul restaurado e fortalecido. Um Mercosul afinado com as necessidades de nossa gente. Um Mercosul que, assim como o Brasil, está novamente no rumo certo. Temos a tranquilidade de haver contribuído para o resgate de um patrimônio que não se constrói do dia para a noite. (O Estado de S. Paulo/Michel Temer)