O Estado de S. Paulo
A greve dos caminhoneiros, ocorrida em maio deste ano, serviu como catalisador para que a estrutura regulatória do setor de distribuição e revenda de combustíveis fosse discutida e repensada em alguns dos seus aspectos mais relevantes.
Ainda em maio de 2018, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) publicou um documento propondo nove diferentes medidas que poderiam, em tese, proporcionar melhores condições competitivas para o setor e, consequentemente, diminuir o preço do combustível para o consumidor final.
Entre setembro e novembro de 2018, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) conduziu a Tomada Pública de Contribuições n. 3/2018, abrindo espaço para avaliar a implementação das referidas medidas propostas pelo Cade, entre elas o possível fim da restrição de verticalização entre distribuição e revenda de combustíveis.
Ao contrário do que ocorre em outras jurisdições, no Brasil é vedado que uma distribuidora de combustíveis detenha participação direta na atividade de revenda (i.e. postos de combustíveis).
Tais restrições se encontram abrigadas na Lei 9.478/97 e na Portaria 116/2000 da ANP, que estabelece, em seu artigo 12, que: “é vedado ao distribuidor de combustíveis líquidos de petróleo, álcool combustível e outros combustíveis automotivos, o exercício da atividade de revenda varejista”.
Segundo a opinião manifestada pelo Cade, tais regras podem gerar incentivos econômicos equivocados ao impedir a verticalização dos contratos no varejo de combustíveis. Para embasar tal opinião, o Cade citou diversos artigos que apontam, em diferentes mercados, para uma diminuição da concorrência (principalmente intermarcas), aumento dos custos e de preços de revenda (decorrentes da dupla margem de lucro – do distribuidor e do revendedor) diante de cenários de proibição de verticalização.
O documento do Cade mencionado acima tem como base o trabalho publicado em 2009 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) abordando, dentre outros temas, o efeito de políticas competitivas para relações verticais na revenda de combustíveis.
Dos 21 países analisados no referido estudo, 18 não proíbem a integração entre distribuição e revenda, entre esses Austrália, Canada, Japão, Holanda, Nova Zelândia, Espanha, Reino Unido, Alemanha, Hungria, Irlanda, Itália, Coreia, Noruega, Portugal, Indonésia, Israel, Rússia e África do Sul. Os 3 países analisados que apresentavam alguma restrição de integração eram Argentina e Turquia, onde a proibição de integração, apesar de não ser absoluta, encontra certos limites de participação de mercado e Estados Unidos, onde em geral não existe restrição mas alguns estados, em algumas ocasiões, criaram restrições.
O estudo reconhece que existe um debate acalorado sobre a necessidade ou não de separar as atividades de revenda e refino/distribuição. Se, de um lado, a separação imposta por regulação parece estar relacionada ao aumento de preços para o consumidor final, por outro a separação obrigatória pode promover o desenvolvimento de operações de revenda independentes. Em linha com o entendimento colocado pelo Cade, o estudo conclui que as preocupações com a integração vertical devem ser moderadas, pois tal integração, de forma geral, resultaria em redução de preço, reduzindo ineficiências e eliminando a necessidade de uma margem adicional dentro da cadeia de distribuição.
Quando olhamos a experiência internacional, concluímos que a regulação brasileira, na forma atual, vai na contramão da tendência do mercado. É importante avaliar se, no mercado brasileiro, tal proibição tem por efeito impedir que a verticalização entre distribuição e revenda diminua a competitividade dentro do setor de revenda ou se representa apenas uma reserva artificial de mercado para determinados grupos empresariais – o que, em ambas hipóteses, não deveria encontrar respaldo na política econômica liberal prometida pelo próximo governo.
Nessa linha, vale lembrar que a agenda do governo para 2019 acena com a possível venda de ativos pela Petrobrás e a provável venda da BR Distribuidora. Uma característica marcante de 2018 para o mercado de combustíveis foi a entrada de players internacionais de peso no mercado de distribuição. A PetroChina investiu na distribuidora TT Work, a trading Glencore adquiriu o controle da distribuidora Alesat Combustíveis, a francesa Total assinou acordo para aquisição da distribuidora Zema Petróleo e a distribuidora Rodoil teve 50% do seu capital adquirido pela trading Vitol. Tais empresas, sem dúvida, estarão atentas às oportunidades de aquisição decorrentes dos referidos desinvestimentos pela Petrobrás e BR Distribuidora. Será interessante observar também como se comportarão caso sejam eliminadas as travas de verticalização com a revenda.
O novo governo irá se deparar ainda com a questão da manutenção dos subsídios ao diesel e política de preços da Petrobras. Nesse contexto, o tema da verticalização do setor de combustíveis, com a necessidade de maior celeridade dos repasses de preços tanto para cima como, principalmente, para baixo, estarão ainda mais prementes.
A manutenção de preços a custos elevados para a sociedade através de subsídios certamente não é sustentável, nem tratará do problema de competitividade, tão cara à agenda liberal anunciada pelo novo governo. A discussão da verticalização, com base nos estudos mencionados acima, pode ser um agente importante para as transformações necessárias e há muito esperadas para tratar do setor de combustíveis de forma permanente. Espera-se que tais transformações tragam eficiência, competitividade e preços mais baratos para o consumidor. (O Estado de S. Paulo/Daniel Oliveira Andreoli e Thiago Rodrigues Maia são sócios, respectivamente, das áreas concorrencial e de fusões e aquisições do Demarest)