O Estado de S. Paulo
A concessão de incentivos tributários a montadoras chegará ao recorde de R$ 7,2 bilhões em 2019, mais do que o triplo do previsto para este ano (R$ 2,3 bilhões). O valor ainda pode aumentar. Parlamentares acenam para a ampliação de incentivos previstos no Rota 2030, que tramita no Congresso. R$ 34,6 bilhões é quanto o governo deixará de arrecadar com o setor de 2008 a 2019
O governo vai abrir mão, no ano que vem, de R$ 7,2 bilhões em impostos com a concessão de incentivos tributários para a indústria automobilística, um dos setores com maior força de pressão em Brasília. A renúncia fiscal mais do que triplicou em relação aos R$ 2,3 bilhões previstos para este ano.
Será o maior valor da história. A título de comparação, corresponde a 6% de todos os recursos previstos para a área de educação na proposta de Orçamento de 2019, em tramitação no Congresso. De 2008 a 2019, o governo deixará de arrecadar R$ 34,6 bilhões com o setor, de acordo com estimativa da Receita Federal.
O salto de R$ 5 bilhões entre 2018 e 2019 será puxado pelo crescimento na produção de veículos, esperado para o ano que vem. O aumento também é resultado da mudança de metodologia que permitiu à Receita “captar” melhor dados que estavam “fugindo” do alcance dos fiscais na elaboração das projeções. Para 2019, pela primeira vez, a Receita usou dados de Escrituração Contábil, o programa entregue pelas empresas com diversos dados, como balanço patrimonial, produção e vendas.
Com o refinamento das projeções, a renúncia estimada ficou mais próxima da realidade, na avaliação dos técnicos. É um indicativo de que, nos últimos anos, a perda pode ter sido maior que a estimada pelo Fisco.
A fatura no ano que vem pode aumentar ainda mais. Parlamentares já acenaram que vão ampliar os incentivos previstos na Medida Provisória que criou o Rota 2030, o novo programa de incentivos aprovado pelo presidente Michel Temer, que ainda tramita no Congresso. Polêmico, o Rota vai conceder R$ 2,1 bilhões de renúncia para o setor automotivo em 2019.
Além disso, também pode ser renovado o programa de incentivos que responde pela maior parte da renúncia de 2019. O fisco estima que custará R$ 4,6 bilhões um benefício concedido a montadoras instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que têm crédito presumido de IPI em troca de projetos de investimentos apresentados até 2010. O incentivo existe desde 1997, mas foi sendo renovado e ampliado ao longo dos anos. O benefício tem prazo para terminar em 2020, mas o senador Armando Monteiro (PTB-PE) já apresentou emenda para renová-lo mais uma vez.
Montadoras com fábricas na região têm procurado parlamentares para pressionar pela renovação. Em visita a Pernambuco, em março, o presidente Michel Temer disse que iria “providenciar” a renovação. Monteiro sustenta que a prorrogação é necessária para viabilizar, por exemplo, a expansão de uma fábrica da Fiat que prevê investimentos de R$ 7,5 bilhões até 2022. “Sem os incentivos, a viabilidade econômica dos projetos na região estaria comprometida.”
Renúncia fiscal vai na contramão da LDO
O incremento de renúncias tributárias para o setor automotivo está na contramão do plano exigido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de reduzir, em 10 anos, 50% do volume dos incentivos concedidos por meio de tributos, que só em 2019 vai chegar a R$ 306,4 bilhões.
Segundo o secretário de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência, João Manoel Pinho de Mello, o aumento dos benefícios automotivos em 2019 reflete em boa parte o impacto do fim do Inovar-Auto e do Rota 2030 que se dará a partir do próximo ano.
Contrário inicialmente ao novo programa, Pinho de Mello avalia que o modelo encaminhado ao Congresso ficou adequado, sem risco de ser questionado pela Organização Mundial do Comércio. Ele defendeu o benefício alegando que é um setor emblemático do ponto de vista do emprego. Para o secretário, não se pode ser “dogmático” em relação às renúncias. “O importante é avaliar o resultado das políticas”, ponderou.
O Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior argumentou, por meio de nota, que “como gestor do programa de incentivos para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, tem monitorado o alcance dos objetivos do regime, especialmente no que se refere a: investimentos em pesquisa e desenvolvimento e em manufatura na região; novos produtos ou novos modelos de produtos já existentes; empregos; parque de fornecedores na região. Destaque-se que não é uma política automotiva, mas uma política de desenvolvimento regional”.
“Mar de renúncias”
Conforme mostrou reportagem do Estado há duas semanas, as renúncias tributárias, como desonerações e incentivos fiscais, terão um salto de 23 bilhões em 2019 e vão atingir R$ 306,4 bilhões já no primeiro ano do próximo governo, segundo a proposta de lei orçamentária enviada ao Congresso. Esse valor deixará de entrar nos cofres do governo por conta da grande quantidade de benefícios concedidos às empresas, entidades filantrópicas e pessoas físicas. Os R$ 23 bilhões a mais em benefícios representam quase 80% do gasto anual projetado para o Bolsa Família.
O aumento dos “gastos tributários” da União – alguns deles previstos até mesmo na Constituição, como os incentivos da Zona Franca de Manaus – será de 8% em relação aos R$ 283,4 milhões previstos para 2018. Um ritmo de crescimento bem maior do que a correção do teto de gasto para 2019, de 4,39%. O teto de gasto é o mecanismo que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. A perda de arrecadação com as renúncias será equivalente a 21% de toda a arrecadação prevista em 2019, de R$ 1,4 trilhão.
A previsão da Receita é de que haverá um aumento de 18,7% em 2019 no montante que o governo deixa de arrecadar com rendimentos isentos e não tributáveis. Essa rubrica inclui, por exemplo, o pagamento de lucros e dividendos a sócios de empresas e benefícios como auxílio-moradia e alimentação pagos a servidores públicos. A renúncia passará de R$ 27 bilhões em 2018 para R$ 32 bilhões no próximo ano. O Tribunal de Contas da União (TCU) já alertou que quase metade das renúncias não tem nenhum tipo de fiscalização sobre sua eficácia e cobra do governo a revisão dos benefícios. (O Estado de S. Paulo/Lorenna Rodrigues e Adriana Fernandes)