“Velocidade do ajuste foi um erro que levou à crise”

O Estado de S. Paulo

 

A velocidade do ajuste fiscal adotado pelo presidente argentino, Mauricio Macri, foi um erro que ajudou a desencadear a atual crise no país, admite o ministro da Produção, Dante Sica, que saiu fortalecido da reformulação do governo feita na semana passada, ao assumir também os antes ministérios do Trabalho e da Agroindústria. “Havia inconsistências na velocidade do ajuste das políticas fiscal e monetária. Ao corrigir essas inconsistências, teremos um futuro sólido”, disse em referência ao ajuste fiscal drástico que Macri anunciou – um contraponto à política gradualista que o presidente havia decidido tomar quando chegou à Casa Rosada, no fim de 2015.

 

Para Sica, o Brasil não ajudará a Argentina a sair da crise, pois, apesar da desvalorização do peso – que dá competitividade ao produto argentino –, exportar mais para nosso mercado depende da recuperação da demanda doméstica e da convergência regulatória entre os países. O ministro avalia ainda que o Brasil também vem sofrendo com uma forte “incerteza política” que reduz seu crescimento. A seguir principais trechos da entrevista concedida ao Estado por telefone.

 

Dada a desvalorização do peso, o Brasil pode ser uma saída para a crise, com a Argentina exportando mais para nosso mercado, mesmo o Brasil em crise?

Em geral, as exportações entre Argentina e Brasil respondem mais a aumentos de renda do que a mudanças de preço. A desvalorização melhora a competitividade, mas, para que as exportações argentinas ganhem muito mais volume no Brasil, é preciso primeiro que o Brasil cresça. Depois, há muitas questões de acesso ao mercado e convergência regulatória que travam muito as exportações para o Brasil. Ainda temos de resolver esses problemas de acesso ao mercado.

 

Como resolver esse problema?

Estamos começando a trabalhar. Assinamos, há 15 dias, com o ministro Marcos Jorge (Indústria, Comércio Exterior e Serviços), um convênio para trabalhar na convergência regulatória do setor automotivo. Mas ainda há muito trabalho para fazer. O Brasil é um mercado difícil no que diz respeito a assuntos regulatórios e isso impede muitas vezes que nosso produto flua com rapidez. Há problemas de convergência, de normas, de que não se aceitam as mesmas certificações de ambos os lados.

 

A crise argentina pode atrasar ainda mais o acordo de livre comércio para o setor automotivo?

O acordo automotivo entre Brasil e Argentina depende muito de como estão os fluxos de investimento e o volume de comércio. Em função dessas variáveis, teremos de ir avaliando para ver o que podemos avançar. Acho que hoje essa crise ainda não tem impactos sobre a possibilidade de modificar o acordo.

 

Para a Argentina, o acordo de livre comércio deve ficar mesmo para 2023, e não para 2020, como gostaria o Brasil?

Nós não temos data para o livre comércio. Tem de haver condições econômicas, de investimento e de produção.

 

O Ministério da Produção ficou também com as secretarias de Agroindústria e do Trabalho. Como o agricultor recebeu a volta do imposto sobre exportação?

Não foi uma medida que gostamos de ter tomado. Não é uma medida que satisfaz os setores afetados. Mas (foi necessária) vendo a situação que tínhamos, de emergência, e a necessidade de equilibrar o orçamento público.

 

As retenções foram uma medida kirchnerista que Macri sempre criticou. Não havia outra saída?

Não. Fizemos um corte de gastos grande e não tínhamos muito mais onde cortar sem afetar os gastos sociais.

 

Do lado da secretaria de trabalho, poderá haver renegociações salariais dado o aumento da inflação? Até que nível a inflação pode chegar?

Todos os reajustes fechados neste ano tinham cláusulas de revisão para o caso de que a inflação mudasse. Com certeza, começará a ter uma revisão dos ajustes por parte dos trabalhadores e dos empresários. Mas não acredito (que a inflação vá subir muito mais). Estamos vendo as estimativas por causa das mudanças nos preços relativos.

 

Mas qual é a estimativa para inflação deste ano?

Enquanto não tivermos os dados de setembro, que vai mostrar o impacto (da desvalorização), é difícil saber.

 

Quais foram os erros do governo que ajudaram a desencadear a atual crise na Argentina?

Nós sofremos muitos impactos externos, que foram se agravando com o passar dos meses, além da seca (que prejudicou o agronegócio). Havia também algumas inconsistências na velocidade do ajuste da política fiscal e monetária. Ao corrigir essas inconsistências, teremos um futuro sólido.

 

O gradualismo foi um erro?

Nesse momento que tomamos a decisão (de adotar o gradualismo), os mercados estavam abertos e nos permitiam seguir nessa velocidade de ajuste fiscal. O fechamento dos mercados tão abrupto a partir de abril fez com que tivéssemos de rever essa medida. (O Estado de S. Paulo/Luciana Dyniewicz)