Fábrica da Renault no Paraná, 20 anos, mas a marca esteve aqui bem antes

Autoentusiastas

 

Este fato pode levar o leitor a uma dúvida: se a fábrica da Renault no Brasil está comemorando 20 anos, como é que os seus carros já eram produzidos aqui há 60 anos? A resposta a essa intrigante pergunta é muito simples de ser respondida: em meados dos anos 50, um acordo comercial entre a francesa Renault e a americana Willys-Overland do Brasil, de quem a Renault detinha 12% das ações, dava à marca permissão de produzir sob licença os carros da Renault para atender às necessidades do consumidor brasileiro de um carro pequeno, econômico e que, ao mesmo tempo, servisse à família.

 

Assim que o Renault Dauphine foi lançado na França em 1956, para substituir o Renault 4CV, aqui no Brasil carinhosamente batizado de “Rabo Quente” por causa do seu motor traseiro, os engenheiros franceses já trabalhavam com os técnicos americanos e brasileiros para iniciar a produção do Dauphine.

 

Apesar de ainda não possuir instalações industriais no Brasil, a Renault já iniciava a fabricação do seu recém-lançado Dauphine na Europa em nosso país. É bom ressaltar que apenas três anos após o lançamento no mercado francês, o econômico Dauphine era apresentado e oferecido ao consumidor brasileiro no segundo semestre de 1959 já como modelo 1960. Um recorde para a época.

 

O Dauphine era um sedã quatro-portas, destinado às famílias brasileiras e foi um dos primeiros carros produzidos por nossa indústria. Equipado com um econômico motor de quatro cilindros em linha, 845 cm³, que desenvolvia 32 hp (potência SAE bruta, 26 cv potência líquida), além de um câmbio de três marchas com a segunda e a terceira sincronizadas. O conjunto motor-câmbio era posicionado na parte traseira do carro e suas suspensões eram independentes nas quatro rodas, um avanço para a época só precedido pelo VW Fusca, lançado no começo de 1959.

 

O destaque deste pequeno e moderno Renault estava na versatilidade e na economia de combustível, proporcionada por seu motor que, na sua concepção, era muito atual, tanto que inspirou projetos futuros que, aqui no mercado brasileiro, serviram a outra marca até os anos 90.

 

Ainda em 1962, a Willys passou a produzir para o mercado brasileiro o Renault Gordini. Esse novo modelo, batizado na Europa de Dauphine Gordini, utilizava exatamente a mesma carroceria do Renault Dauphine, mas com refinamentos construtivos que davam mais potência ao seu motor de 845 cm³, com potência aumentada de 32 para 40 hp (32 cv potência líquida). Além disso, o câmbio de três marchas do Dauphine deu lugar a um de quatro marchas no Gordini, mas mantendo a primeira sem sincronização. O novo Renault teve uma melhora substancial no desempenho sem que o consumo fosse sacrificado.

 

A partir de então o Renault Dauphine passou a ser comercializado como carro de entrada, mais barato e econômico, enquanto o Renault Gordini era vendido para aqueles que priorizavam o desempenho e não se preocupavam em pagar mais pela performance diferenciada. Haveria, inclusive, uma terceira versão, esportivada, do pequeno Renault: o 1093. O motor continuava de 845 cm³, mas era mais elaborado, com carburador de corpo duplo, comando de válvulas diferente, coletor de escapamento 4 em 1, taxa de compressão elevada, 9,2:1 (requeria gasolina de maior octanagem, chamada de azul na época). Sua potência era de 53 hp/42 cv e trazia conta-giros e quarta marcha mais curta, de 1,03:1 para 1,07:1. Foi produzido de 1964 a 1966 apenas e foi descontinuado junto com o Dauphine.

 

Foram três familiares de muito sucesso no mercado brasileiro nos anos 60. Fabricado até 1968, o Renault Gordini teve versões chamadas de Gordini II em 1966; Gordini III em 1967 e Gordini IV em 1968.Esse último Gordini teve o mérito de ser o primeiro carro brasileiro equipado com freios dianteiros a disco como equipamento de série. Mas em 1968 a Ford do Brasil assumiu de vez o controle da Willys-Overland, iniciado em 1967, e no final de 1968 o modelo teve sua produção encerrada, juntamente com o final da Willys-Overland do Brasil.

 

Outro Renault que marcou sua época nos anos 60 foi o Willys Interlagos, que na realidade tratava-se do francês Alpine A108. Alpine era um pequeno construtor de carros esportivos ou de competição que utilizava mecânica de outros fabricantes. No caso do A108, a Alpine utilizava toda a mecânica Renault. Aqui no Brasil, como no país de origem, o carro utilizava o plástico reforçado com fibra de vidro como material da carroceria, primazia no Brasil.

 

Apresentado ao mercado nacional no final de 1961, o Willys Interlagos e passou a ser oferecido em três versões: Berlinetta, um cupê de linhas mais esportivas; uma outra versão, esse sim chamada de Cupê, que não possuía inclinação do vidro traseiro; além de uma terceira versão, a Conversível.

 

O Cupê e o Conversível tinham mesma motorização do Gordini, enquanto o Berlinetta saía de fábrica com o mesmo conjunto motriz do sedã 1093, exceto a quarta mais curta. Mas como o motor tinha camisas úmidas removíveis, era fácil elevar a cilindrada trocando o kit de cilindros, pistões e anéis de 58 mm de diâmetro por outro de 60 mm a cilindrada passava a 904 cm³; com o mesmo conjunto de 63 mm a cilindrada chegava a 998 cm³. Nesse motor maior a potência era de 70 hp/57 cv, mas nos Berlinettas da equipe competição da fábrica dizia-se ser de 70 cv, mas potência líquida.

 

Nas pistas, o Willys Interlagos era quase imbatível, graças ao seu peso contido, de pouco mais de 500 kg, aerodinâmica apurada e baixo centro de gravidade.

 

Mas a Ford brasileira deu continuidade ao chamado Projeto M da Willys, que já estava praticamente pronto, fruto do trabalho da engenharia da francesa Renault com a Willys-Overland. O Projeto M era resultado de um intenso trabalho que visava o lançamento do francês R12, um carro de porte médio quando comparado ao Dauphine/Gordini. Lançado no mercado brasileiro em 1968 como modelo 1969, a Ford apresentou o novo carro com o nome de Corcel, outro Renault produzido sob licença da marca francesa. O novo carro da Ford, um Renault em sua essência, e seu projeto, iniciou uma gama de produtos que a marca americana produziria por quase 20 anos no Brasil. E o seu conhecido, robusto e econômico motor, cuja cilindrada variou de 1,3 a 1,6 litro, chegou a ser utilizado até mesmo pela Volkswagen na época da Autolatina. Um reconhecimento inegável da tecnologia, performance e economia desse motor de projeto Renault.

 

É muito interessante como a História nos mostra os caminhos tortuosos trilhados pela indústria automobilística ao longo dos anos. Só remexendo lá atrás é que vamos nos lembrar que o versátil motor que a Ford começou fazer aqui no Brasil no final dos anos 60 era, na realidade, um motor concebido pela Renault, que começou sua vida em 1962 com 956 cm³ no Renault R-8. Sua fama de resistente, econômico e de fácil manutenção era na realidade um motor francês e não americano como muitos pensam.

 

Esse motor foi utilizado aqui no Brasil pelo Corcel I e II, Belina I e II, Pampa, Del Rey, Escort, XR3, Gol, Parati e Saveiro. Na época da Autolatina, o então velho motor Renault (aqui no Brasil ele havia sido lançado no final dos anos 60…), havia sido rebatizado de AE 1600, em que ‘AE’ significava alta economia. Economia de combustível ainda era um destaque do motor apesar de sua idade. Fatos interessantes de nossa história que devemos contar para que ela não se perca nos caminhos do tempo. (Autoentusiastas/Douglas Mendonça)