O Estado de S. Paulo
A crise turca chegou em um momento especialmente difícil para a Argentina: às vésperas do vencimento de títulos do Banco Central que somam cerca de 500 bilhões de pesos (R$ 65 bilhões). Diante da possibilidade de investidores estrangeiros fugirem de países emergentes e não se interessarem pela renovação dessa dívida, que precisa ser rolada nesta terça-feira, 14, a autoridade monetária anunciou um pacote de medidas que inclui a elevação na taxa básica de juros em cinco pontos porcentuais, para 45%.
O anúncio do pacote foi feito após a moeda americana se aproximar, durante a manhã da segunda-feira, 13, dos 31 pesos e depois de uma reunião entre a equipe econômica e uma delegação do Fundo Monetário Internacional (FMI). Debilitado pela fuga de capital de países emergentes, a Argentina fechou um empréstimo de US$ 50 bilhões com o fundo em junho. Ao fim do pregão, o dólar encerrou o dia com alta de 2,46%, cotado a 30,50 pesos, em uma nova máxima histórica. Nos últimos doze meses, a desvalorização do peso argentino foi de quase 75%.
Dólar Peso Argentino
O Banco Central anunciou ainda um leilão de US$ 500 milhões, que será realizado nesta terça, e comunicou que a taxa básica de juros permanecerá na casa dos 45% pelo menos até outubro. A autoridade monetária também pretende retirar do mercado, gradativamente, seus títulos de curto prazo, chamados Lebacs, até o fim deste ano. A intenção é substituí-los por papéis em dólares e com prazo maior, de um ano. As Lebacs são comercializadas em peso e mais da metade delas têm vencimento mensal.
“Existe uma preocupação que, em um momento de incerteza, em que a demanda por pesos caia fortemente, os investidores não renovem as Lebacs”, explica Sebastián Martinez, da consultoria Abeceb. Segundo o economista, a delicada situação econômica argentina – com déficits fiscal e de conta corrente elevados – tem tornado o país mais suscetível às tensões do mercado internacional. “A Argentina tem problemas estruturais que a tornam mais fraca na comparação com os outros emergentes.”
Para o presidente do Banco Central argentino, Luis Caputo, além do déficit de conta corrente, o risco país tem avançado por causa da preocupação do mercado com um possível retorno da ex-presidente Cristina Kirchner ao poder. “Apesar de os mercados terem pouca memória, lembram de Cristina e alguns acham que essa possibilidade existe”, disse ele ao jornal Clarín. Cristina, porém, está em um momento delicado – nesta segunda, ela teve de se apresentar à Justiça e seu prédio foi alvo de uma operação de busca e apreensão.
Inflação deve persistir mesmo com juros altos
Apesar da alta da taxa de juros para 45%, economistas acreditam que a inflação poderá ultrapassar os 30% neste ano com a desvalorização do peso e com os aumentos dos preços dos serviços básicos, como transporte e energia. Desde que chegou à Casa Rosada, o governo de Mauricio Macri tem retirado subsídios desses serviços, o que tem pressionado ainda mais os preços.
No início do ano, a meta inicial para a inflação era de 15%. A Abeceb, uma das principais consultorias econômicas do país, projeta, porém, que ela alcance 31%. “Com a escalada do dólar, o risco de inflação ainda mais alta cresceu”, diz Martinez.
A Abeceb estima ainda que a economia encolha 1% neste ano, em grande parte devido ao aumento da taxa de juros, que tornará os financiamentos para empresas e consumidores mais caros. A taxa de juros na Argentina já havia subido de 27,5% para 40% em maio, em apenas oito dias, na primeira tentativa de o governo Macri contornar a fuga de capitais.“Ainda é cedo para rever as projeções de atividade (por causa do novo aumento da taxa de juros), mas a economia poderá diminuir ainda mais”, acrescenta.
Efeitos no Brasil
Para o economista Edward Glossop, da Capital Economics, a alta de juros no país vizinho não representa o início de uma série de elevações nos bancos centrais de economias emergentes. “A Argentina é um dos poucos mercados que compartilham vulnerabilidades semelhantes à Turquia.”
A recessão na Argentina deverá prejudicar a indústria brasileira, sobretudo a automotiva. A Abeceb projeta que a demanda por carros no país vizinho caia 5% neste ano. Hoje, 60% dos veículos vendidos na Argentina são fabricados no Brasil. (O Estado de S. Paulo/Luciana Dyniewicz)