O Estado de S. Paulo
Depois de puxar o crescimento industrial em abril, o setor automobilístico foi bloqueado em maio pela crise do transporte rodoviário. A paralisação dos transportadores prejudicou tanto a produção, pela falta de peças, como as entregas de veículos às concessionárias. De um mês para outro a fabricação de veículos diminuiu 20,2%, de 266,1 mil unidades para 212,3 mil, com recuo de 53,8 mil unidades. Mas a perda chegou de fato a algo entre 70 mil e 80 mil, segundo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale, porque, de acordo com sua explicação, havia expectativa de produção maior que a do mês anterior.
A perda imposta ao setor automobilístico é a primeira informação concreta – e expressa em números – sobre os danos causados à indústria pela ação dos transportadores. O bloqueio de estradas e a ação de piquetes violentos prejudicaram a recuperação de um segmento de grande importância na formação do produto industrial. Em abril, as montadoras haviam produzido 40,4% mais que um ano antes. Em maio, o número de veículos montados foi 15,3% menor que o de igual mês de 2017.
O acumulado no ano, 1,18 milhão, ainda superou por 12,1% a soma das unidades fabricadas entre janeiro e maio do ano passado. Apesar da trava na produção, o número de empregados, de 132,4 mil, foi maior que o de abril deste ano (131,7 mil) e o de maio de 2017 (127 mil). Segundo Megale, as montadoras poderão levar de dois a três meses para recuperar “grande parte” da produção perdida, se houver demanda suficiente. Há capacidade, acrescentou, para montar mais de 3 milhões de veículos neste ano, mas a projeção poderá ser revista quando houver uma avaliação mais precisa do impacto da paralisação do transporte rodoviário.
A referência às condições da demanda interna nos próximos meses é um detalhe importante. Falta saber o efeito da crise do transporte e de seus desdobramentos no estado de espírito dos consumidores e, portanto, em sua disposição de concretizar as compras adiadas e de ampliar as encomendas no futuro próximo.
A dimensão do problema fica mais clara quando se examina o desempenho dos grandes grupamentos industriais – bens de capital, bens intermediários e bens de consumo duráveis, semiduráveis e não duráveis – até abril. Nos primeiros quatro meses de 2018 a produção da indústria geral foi 4,5% maior que a de igual período de 2017, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A mesma comparação mostra um ganho de 21,6% na fabricação de bens duráveis de consumo.
Este resultado dependeu principalmente da indústria automobilística. A expansão do crédito a pessoas físicas facilitou esse resultado, mas, sem a disposição dos consumidores, a maior oferta de empréstimos teria sido inócua.
Os novos dados mensais de produção das montadoras dão uma primeira ideia de como a paralisação dos transportadores, com bloqueio de estradas e ameaças de violência, pode ter afetado a atividade produtiva e, de modo geral, a evolução dos negócios. Também as vendas de alimentos e de outros produtos de consumo foram prejudicadas, já se sabe, mas faltam números para a montagem do quadro geral. Outras classes de indústrias também foram impedidas de operar normalmente por causa da falta de matérias-primas e de bens intermediários. Em alguns casos, optou-se pela concessão de férias coletivas por alguns dias, enquanto se esperava o reinício das entregas.
Economistas de instituições financeiras e de consultorias já indicaram a intenção de rever suas projeções para este ano. O bom desempenho da indústria em abril poderia ser o sinal de maior vigor da economia depois de um primeiro trimestre decepcionante. Não se sabe quanto desse vigor deve ter sobrado, ou sobrará, depois dos estragos causados pela ação dos transportadores. Esses estragos incluem a concessão de subsídios ao diesel e as novas complicações na execução orçamentária. Tudo isso torna mais escuro um cenário já enevoado pela política. Nenhuma projeção econômica é segura nessas condições. (O Estado de S. Paulo)