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Criada em 2013, a Associação Brasileira de Biogás e Biometano (ABiogás) tem se empenhado em mostrar o elevado potencial do país para a produção de energia e combustível a partir de resíduos, tanto da agricultura quanto de aterros, além deefluentes sanitários (esgoto) e dejetos resultantes da criação de animais em abatedouros e laticínios. O biogás e o biometano seriam as estrelas desse modelo.
Uma pesquisa feita pela ABiogás identificou que o país desperdiça por ano mais de uma Itaipu e meia em energia que poderia ser obtida com biogás. Hoje, o país deixa de gerar 115 mil gigawatts-hora de energia com o não aproveitamento dos rejeitos urbanos, da pecuária e da agroindústria. Esse volume poderia ter abastecido quase 25% de toda energia elétrica consumida em 2015, aliviando a pressão sobre o setor.
Outra equivalência energética é que o biometano – extraído da purificação do biogás – poderia chegar a uma produção anual de 28,5 bilhões m³. Isso equivale a 50% do consumo de diesel do país e poderia alimentar quase 25% da frota nacional de veículos, combinando a gestão adequada dos diversos resíduos com emissão negativa de dióxido de carbono. Aos poucos, o cenário começa a mudar: de 2015 para 2016, o biogás cresceu 30% na matriz elétrica brasileira e foi inaugurada a maior termelétrica a biogás da América Latina, instalada no aterro sanitário de Caieiras (SP). Para falar sobre esse tema, o Cempre Informa Mais conversou com Camila Agner D’Aquino, gerente executiva da ABiogás. Acompanhe:
Qual é a diferença de biogás e biometano?
O biogás é o gás proveniente do processo anaeróbio de decomposição da matéria orgânica. Em um aterro sanitário, por exemplo, o gás emitido devido à decomposição do lixo ali depositado é o biogás. Ele é composto, em média, de 60% de metano, 35% CO2 e 5% de outros gases. O biogás tem três utilizações básicas: para geração local de energia elétrica (via sua combustão em um motogerador ou em uma microturbina) e energia térmica ou, ele pode ser purificado (para remoção de boa parte do CO2), e transformado em biometano.
O biometano tem as mesmas utilizações do biogás, com a vantagem de poder ser transportado para uso mais distante, além de servir também como biocombustível de veículos leves, médios ou pesados.
Quais as principais fontes de biogás?
O biogás pode ser produzido, por exemplo, a partir de plantações energéticas. Na Alemanha, planta-se milho e, na Áustria, cultiva-se beterraba para produzir biogás. No caso brasileiro, temos um enorme potencial de geração de biogás a partir de resíduos, tanto da agricultura quanto de aterros sanitários, além dos efluentes sanitários (esgoto) e dejetos advindos da criação de animais.
Por que o aproveitamento do biogás ainda é baixo no Brasil?
O Brasil passou por uma experiência com biogás na década de 80 como forma de saneamento, não como fonte de energia. No campo, ainda há muitos biodigestores (aquelas lagoas cobertas por lonas) instalados, mas são, em sua maioria, equipamentos de baixa tecnologia, voltados só para a redução da carga orgânica das atividades das propriedades. Além disso, não ocorreram treinamentos e capacitação de quem lidava com esses equipamentos no dia a dia e, à medida que eles mostravam necessidade de manutenção, as pessoas não sabiam o que fazer e as instalações foram sendo desativadas. Esse histórico foi muito negativo para o biogás no país, especialmente no setor rural que apresenta a maior possibilidade de uso das novas tecnologias de aproveitamento energético.
Na verdade, existe um desconhecimento muito grande no Brasil a respeito de quanto a tecnologia evoluiu, como o biogás tem sido importante no resto do mundo e como nosso potencial é enorme.
É um investimento elevado?
O valor pode variar muito porque existe uma gama extensa de tecnologias que atendem a diferentes necessidades. A energia produzida pode ser utilizada para consumo próprio e o excedente, vendido no mercado livre ou injetado na rede para ser abatido em seu consumo vindo do fornecimento público (em qualquer empreendimento com o mesmo CNPJ).
De acordo com um estudo que fizemos para a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), uma planta com alta tecnologia aplicada de porte médio (de até 4 megawatts) tem seu investimento compensado em seis anos.
Que outro tipo de gargalo existe para o avanço do sistema?
Além dessa primeira experiência negativa que citei, há um grande desconhecimento por parte do governo que se traduz na falta de políticas públicas. Temos feito diversas ações para divulgar as externalidades positivas do biogás e do biometano e suas vantagens ambientais e econômicas. O Brasil possui tradição em biomassa. Utilizamos muito a biomassa de cana-de-açúcar, por exemplo, com mais de 14 mil megawatts instalados de geração de energia elétrica a partir do bagaço de cana. Hoje, o biogás está incluído dentro da biomassa, o que confunde um pouco as coisas, porque, apesar de todo biogás ser proveniente da biomassa, nem toda biomassa pode virar biogás (cavaco de madeira é considerado biomassa, pois pode ser queimado, mas não é possível fazer biodigestão para que ele se transforme em biogás). Temos pleiteado junto ao governo federal que haja essa separação, com a criação de políticas específicas para o biogás.
Mas já temos avanços importantes, com destaque para a produção a partir de aterros sanitários. No município paulista de Caieiras, temos o maior aproveitamento energético de gás de aterro do mundo. No ano passado, pela primeira vez o biogás ganhou um leilão de energia para instalação de uma planta na Usina de Bonfim (de 20 megawatts), no interior de São Paulo, para aproveitamento de resíduos do setor sucroenergético. Alguns estados também têm avançado nesse tema: em julho, Santa Catarina lançou o marco legal para promover políticas de aproveitamento de biogás a partir da criação de suínos e o mesmo vem ocorrendo no Paraná.
Quais as vantagens do biogás?
Um de seus benefícios é ser produzido em qualquer lugar, muito próximo da fonte de consumo, o que aumenta a eficiência do sistema como um todo e reduz muito as perdas na transmissão e na distribuição. O biogás é também a única fonte renovável não intermitente e o biometano é o único biocombustível que pode ter pegada negativa de carbono, além de transformar um passivo ambiental em um ativo energético. Em outubro, a ABiogás vai promover o IV Fórum do Biogás, em São Paulo, justamente para divulgar informações sobre a evolução do setor no Brasil e no mundo.
E como está o setor no mundo?
Diversos países possuem formas de aproveitamento muito interessantes. A Alemanha foi o primeiro case de importância mundial – o país possuía uma política de subsídios que acabou no ano passado e, com isso, as plantas de biogás estão migrando para o mercado livre, de forma madura e eficiente. Na Suécia, há a produção de biogás a partir de efluentes sanitários para uso como combustível no transporte público. A Áustria e a França também possuem políticas muito eficazes. Outro modelo emblemático vem da Califórnia, nos Estados Unidos, com um programa bem consolidado de uso de biometano como combustível, com larga aplicação em locomotivas, caminhões e ônibus. Como em outros setores, precisamos desenvolver no Brasil uma visão de longo prazo em relação à questão energética e de combustíveis, pois só assim será possível incentivar os investimentos e aproveitar todo o potencial do país com o biogás e o biometano. (CEMPRE)