O Estado de S. Paulo
Pagar ao setor automobilístico para tornar-se mais competitivo, por meio do programa Rota 2030, pode ser um erro enorme e custoso, como foi o fracassado programa Inovar Auto.
Pagar ao setor automobilístico para tornar-se mais competitivo, por meio do programa Rota 2030, pode ser um erro enorme e custoso, como foi o fracassado Inovar Auto, uma das obras primas do desgoverno petista. Mas o governo, tudo indica, vai continuar pagando. Um ministro e um representante da indústria deram como certo, depois de uma reunião com o presidente Michel Temer, na terçafeira passada, o lançamento, em breve, do novo programa. “Estamos quase lá”, disse ao sair do encontro o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale, segundo informou a Agência Estado. “Falta apenas concluir os textos”, de acordo com o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Jorge, citado pelo jornal Valor. As informações iniciais coletadas em Brasília indicaram um projeto híbrido, moldado pelas propostas do MDIC, favoráveis aos benefícios, e pelas objeções do Ministério da Fazenda. O resultado poderá ser híbrido, mas continuará sendo ruim, porque a ideia básica é insustentável como política econômica.
Desde o segundo semestre do ano passado o governo vem adiando o anúncio do projeto, por causa da resistência do Ministério da Fazenda. Se faltassem outros argumentos, a experiência da generosa e improdutiva distribuição de favores fiscais e financeiros a grupos e setores, no período petista, deveria servir como advertência.
Inovação pode tornar a indústria mais competitiva, beneficiá-la e beneficiar também o País, mas estarão os dirigentes do setor automobilístico interessados em investir, no Brasil, em pesquisa e desenvolvimento? Não muito, a julgar pela conversa do presidente da Anfavea. As montadoras, havia dito Megale na segunda-feira passada, são multinacionais e decidirão investir onde for mais barato. Traduzindo: pouco lhes interessa investir neste país para abastecer seu mercado e os mercados de países compradores, atuais ou potenciais, de produtos brasileiros.
A resposta da indústria aos incentivos ganhos até agora foi abaixo de pífia. Suas exportações são enviadas a poucos destinos e em grande parte vinculadas ao acordo automotivo Brasil-Argentina, um conhecido pacto de mediocridade. Mas também é preciso levar em conta outros pontos.
Ainda na segunda-feira o presidente da Anfavea atribuiu ao poder público um papel mais amplo que o de incentivar investimentos e esforços de inovação. “Quando a coisa não está alinhavada com o governo, começamos a ter iniciativas independentes”, disse o representante da indústria. Segundo ele, o setor já começava a se desorganizar por causa do atraso do Rota 2030. Notável: o setor precisa do governo para orquestrar suas iniciativas?
O texto final, segundo se informou em Brasília, será uma fusão da proposta original do Rota 2030 com a Lei do Bem, em vigor há alguns anos. O benefício fiscal poderá ficar limitado ao Imposto de Renda e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, com alcance menor que o pretendido inicialmente. Mas o abatimento fiscal do valor investido em pesquisa e desenvolvimento poderá passar dos 60% previstos na Lei do Bem para 160%.
Esses detalhes, no entanto, nem chegam a ser as questões principais. O dinheiro do Tesouro será muito curto por vários anos e é preciso, sim, considerar esse ponto. Mas ainda falta responder à pergunta mais importante: será o Rota 2030 o uso mais vantajoso de recursos públicos?
Outros setores e segmentos se têm mostrado competitivos sem tantos favores. O governo pode empregar o dinheiro desse incentivo em ações mais vantajosas para o País. Quanto aos custos das empresas, pode-se atacá-los com programas horizontais – válidos para todos – de modernização tributária, controle da inflação, corte de juros, diminuição de burocracia e formação de capital humano. Há muito por fazer para tornar toda a economia mais produtiva e competitiva.
O melhor caminho, como ensina a experiência internacional, é o das políticas de alcance geral, com atenção, é claro, a pontos estratégicos, como as prioridades em educação. Políticas verticais podem ser boas para os amigos da corte. O País é algo mais amplo. (O Estado de S. Paulo)