Tesla na rota de uma crise de liquidez

O Estado de S. Paulo

 

“Estamos tristes em informar que a Tesla faliu completa e totalmente.” Foi o que tuitou Elon Musk, chefe da empresa de carros elétricos, no dia 1.º de abril. Ele até mesmo postou uma foto de si mesmo, supostamente bêbado e inconsolável, como prova. Era uma piada do dia da mentira, mas a brincadeira saiu pela culatra. Está desconfortavelmente próxima da verdade. A principal fabricante de veículos elétricos dos Estados Unidos está sob pressão. Musk está enfrentando batalhas em muitos fronts e todos eles exacerbam sua principal ameaça: um aperto financeiro que poderia, no final, empurrar a Tesla ao seu limite.

 

Mesmo os acionistas da empresa, que raramente são desencorajados por más notícias, estão nervosos. Suas ações caíram 16% desde o fim de fevereiro, mais acentuadamente depois que um Tesla usando o software Autopilot da empresa colidiu com uma barreira de estrada na Califórnia em 23 de março, matando o motorista e levantando dúvidas sobre a segurança de seu sistema para condução semiautônoma.

 

Os problemas continuaram a se acumular no dia 28 de março, quando um juiz de Delaware decidiu permitir que uma ação de acionistas fosse instaurada contra Musk e o conselho da Tesla, sobre uma suposta negligência envolvendo a aquisição de US$ 2,6 bilhões em 2016 da SolarCity, uma problemática empresa de energia solar, administrada por primos de Musk.

 

E em 29 de março, a empresa anunciou um recall de 123 mil veículos mais antigos que podem ser suscetíveis à corrosão de um parafuso que afeta a direção e o estacionamento. Tais recalls são comuns em todas as outras montadoras do mundo. Mas no caso da Tesla isso reforça a visão de que a empresa é muito melhor no desenvolvimento da sofisticada tecnologia que sustenta seus carros do que em dominar o negócio monótono de produzilos em quantidade.

 

Até recentemente, a Tesla produzia um pequeno número de custosos carros movidos a bateria de longo alcance. Seu Model S saloon custa a partir de US$ 74,5 mil e seu veículo utilitário esportivo Model X é ainda mais caro. Mas Musk apostou no futuro de sua empresa na produção em massa de carros mais baratos. O novo Model 3, um sedã menor, custando apenas US$ 35 mil, com alcance superior a 320 quilômetros, atraiu mais de 400 mil depósitos de US$ 1 mil cada, de ansiosos clientes. Grande parte da receita futura esperada da empresa e sua alta avaliação (está em cerca de US$ 49 bilhões, mesmo depois da queda do preço das ações) dependem da rápida expansão na escala de produção.

 

A Tesla foi repetidamente malsucedida em atingir suas próprias metas. Em julho de 2017, Musk declarou que sua empresa estaria produzindo 20 mil Model 3 por mês até dezembro. Conseguiu produzir menos de 2,5 mil em todo o último trimestre de 2017. Ele prometeu produzir 2,5 mil Model 3 por semana até o final de março, aumentando para 5 mil por semana até o final de junho. Apesar dos esforços dos trabalhadores e gerentes (Musk supervisiona pessoalmente a produção do novo modelo e alega estar dormindo na fábrica), em 3 de abril a Tesla confirmou que está produzindo apenas cerca de 2 mil Model 3 por semana.

 

As expectativas estavam tão baixas entre analistas e investidores que o preço da ação da Tesla se recuperou depois desse anúncio. A empresa se vangloriou de que a linha de montagem do Model 3 agora fornece “o crescimento mais rápido de qualquer empresa automotiva na era moderna”.

 

No entanto, a Tesla enfrenta gargalos na produção de baterias em sua “gigafábrica” em Nevada, bem como na montagem do Model 3, em Fremont, Califórnia. Mesmo que o sonho de Musk de transformar sua fábrica em um “encouraçado alienígena” de produção em massa automatizada realmente aponte para uma maneira melhor de fazer carros, ele pode ficar sem dinheiro antes de comprovar sua tese. A Tesla perdeu mais de US$ 2 bilhões em 2017.

 

Os investidores se preocuparam com a taxa de gastos, superior à entrada de dinheiro, da empresa em 2018. Além dos US$ 2 bilhões de capital que podem ser necessários para expandir a produção do Model 3, a Tesla tem US$ 1,2 bilhão em dívida conversível vencendo no início do próximo ano. Em 27 de março, a Moody’s, agência de classificação de crédito, rebaixou a dívida da Tesla, alertando que a empresa “provavelmente precisará levantar capital adicional no segundo semestre de 2019”. O banco Jefferies prevê que a Tesla precisará de US$ 2,5 bilhões a US$ 3 bilhões este ano.

 

A empresa sustenta que não há uma crise iminente de liquidez. Em comunicado divulgado no dia 3, insistiu que “não será necessário um aumento de capital ou dívida este ano, além das linhas de crédito padrão”. Muitos acionistas mantêm sua crença na capacidade de Musk de inverter o senso comum.

 

O preço dos títulos de alto risco da Tesla está bem abaixo do nível em que foram emitidos no ano passado. Em outro tuíte esta semana, Musk resumiu o assunto desta forma: “O setor de veículos é infernal”. Desta vez ele não estava brincando.

 

Musk pode ficar sem dinheiro antes de atingir uma produção em massa em sua fábrica de carros elétricos. (O Estado de S. Paulo)