Conversa com o CEO da Scania

O Estado de S. Paulo 

 

“Cada investimento, cada projeto que vamos executar, pergunto se vai trazer valor para o cliente. Se não trouxer, talvez possamos deixar para outro momento. Isso tem gerado uma dinâmica positiva em toda a companhia”, diz o presidente da Scania América do Sul, Christopher Podgorski. Ele considera esse ‘olhar integrado à visão do cliente’ uma marca sua. /

 

Com 20 anos de casa, Christopher Podgorski assumiu em agosto último o comando da Scania América Latina. Primeiro brasileiro a ocupar o cargo, em sua trajetória na companhia passou por vários cargos executivos, inclusive no exterior, a maior parte em vendas e marketing. Também foi o primeiro brasileiro a integrar o comando global da empresa: durante quase cinco anos, antes de voltar para o Brasil, foi vicepresidente sênior global para Vendas & Marketing de Caminhões, na matriz da empresa, na Suécia. Com bom humor, comenta a experiência: “O maluco que me contratou para ir para lá, Henrik Eriksson, que hoje é o CEO, me colocou numa posição que era responsável por 75% do faturamento da empresa”.

 

Suas responsabilidades não pararam por aí. “E não satisfeito com isso, sem ter colocado em contrato, depois que eu estava lá Eriksson disse: ‘A propósito, você vai ser o chairman da introdução da nova geração Scania’”, conta. A missão e o resultado obtido são motivos de orgulho para ele. “O lançamento, em Paris, foi muito emocionante. A felicidade pela realização era muito grande, todo mundo estava tão gratificado, foi uma conquista, um momento maravilhoso.”

 

Segundo a Scania, essa nova geração se traduz em um salto tecnológico, pois está preparada para eletrificação e automação. Além disso, o caminhão está embarcado com um nível de serviços que permite oferecer uma solução de transporte personalizada de acordo com a necessidade de cada cliente e suas respectivas operações. Agora, diz, vai replicar essa história no Brasil. Sua missão, à frente de 4.200 funcionários, também tem como objetivo atender a produção para a América Latina e outros 30 mercados globais. “Aqui temos uma planta espelho da Suécia, ou seja, somos a única fora a matriz que contém todos os processos fabris e produz o veículo completo”, ressalta. “Nos últimos 20 anos, em 16, o Brasil foi o mercado número 1, em termos de volume. Queremos que volte a ser e já começa uma boa reação. Espero que seja sustentável.”

 

Formado em administração de empresas pela FAAP, Podgorski divide sua carreira em duas fases. A primeira, na Caterpillar, onde trabalhou até os 40 anos de idade – hoje, está com 60 anos. Lá, vivenciou os reflexos de crises como a quebra do governo brasileiro e o confisco feito por Fernando Collor. A situação, conta, lhe trouxe grandes aprendizados. A seguir, trechos da conversa.

 

Quais foram os aprendizados com as crises do País?

A situação foi interessante para repensar, trouxe uma experiência que marcou bastante, de fazer mais com menos recursos, com mais inteligência e com menos desperdícios. Começou a despertar isso em minha mente.

 

E o confisco feito por Collor?

Além de tirar todos os nossos recursos, ele também aprovou a Lei das Licitações Públicas, do menor preço. E a Cartepillar, a exemplo da Scania, nunca compete em preço, mas em valor. Nunca vamos ter o menor preço, mas a melhor proposta de valor. Ou seja, você paga um pouco mais, mas ao longo do ciclo de vida do produto, você como operador tem um retorno maior. Vai sobrar mais dinheiro no bolso. E, naquele momento, 50% da receita da companhia vinha de prefeituras. De um dia para outro tomamos a decisão: esquece 50% do faturamento. Foi um momento de reinvenção. Então, a reinvenção também norteou minha carreira.

 

Sentiu diferença de cultura entre as empresas?

A minha primeira reunião na Scania foi a discussão de um produto que seria lançado sete anos depois. Foi um choque para mim, vinha de uma cultura americana, extremamente focada para resultado mais no curto prazo. Comecei a questionar se não era muito cedo. Aí entendi que a diferença do foco europeu, especificamente do sueco, não é um passo vagoroso, mas constante, com muita antecipação, com muita clareza entre as partes, entre diferentes funções. Muita discussão antes. Mas uma vez que todo mundo se alinhou e concordou, aí ninguém segura, diferentemente de outras culturas, que são um pouco mais rápidas nas decisões, mas depois têm de mudar de rumo várias vezes.

 

E o curto prazo?

Dentro da Scania aprendemos rapidamente a pensar na entrega de curto prazo, dentro do ano, de três anos, mas o que me fascinou naquela primeira reunião é que apesar da preocupação com o dia a dia, também se planejava mais para a frente. É um exercício muito interessante, porque com isso você se certifica de que as soluções que você vai apresentar lá na frente, dali a 7 anos, são validadas pelo dia a dia, pelo choque de realidade. São diferentes níveis de maturidade, diferentes mercados, diferentes culturas, por isso que tudo é muito bem discutido para que não nos surpreendamos lá na frente, mesmo porque os investimentos são enormes.

 

Nesse segmento, também se caminha para veículo elétrico ou autônomo?

Não tenho dúvida, só não sei responder quando. A Scania está se preparando para isso. A tecnologia nós dominamos. A eletrificação, principalmente em sítios urbanos, vai acontecer, mas não será tudo elétrico. Hoje, temos domínio sobre a tecnologia de veículo autônomo, temos 20 caminhões rodando na Austrália, dentro de uma operação da Rio Tino, sem motorista, mas é segregado.

 

Qual é sua marca como gestor?

Esta é a primeira experiência em que eu tenho de tomar conta de tudo, não só de vendas e marketing, que está no meu DNA. E minha interação com a visão do cliente (por causa da atuação em vendas e marketing), acho que está sendo bastante positiva. Em todas as reuniões, seja com compras ou até na produção e logística, eu estou sempre perguntando se tem valor para o cliente ou não. Cada investimento, cada projeto que vamos executar, pergunto se vai trazer valor para o cliente. Se não trouxer, talvez possamos deixar para outro momento. Isso tem gerado, acho, uma dinâmica bastante positiva em toda a companhia. Esse olhar com a visão do cliente, talvez seja a minha maior contribuição aqui. Acho que pode ser considerado como uma marca. (O Estado de S. Paulo/Hélvio Romero)