O Estado de S. Paulo
O desempenho da indústria em janeiro, retratado tanto pelo IBGE como pela Fiesp, causou uma certa inquietação entre os interessados em detectar se é sem volta mesmo a trajetória de recuperação do setor. Afinal, segundo o IBGE, depois de quatro meses de alta, a produção industrial caiu 2,4%, o pior resultado em quase dois anos. Os números negativos espalharam-se por 19 dos 24 ramos acompanhados pela pesquisa. De acordo com a Fiesp, houve um recuo de 0,9% na atividade do setor, depois de dois meses de avanço.
Nos dois levantamentos, porém, comparações de prazo mais longo mostram um avanço razoável sobre os períodos anteriores: crescimento de 5,7% sobre janeiro de 2017, segundo o IBGE, e de 7,6% segundo a Fiesp. No dialeto dos analistas, tudo “em linha” com a projeção de um aumento de 4% a 5% para o ano, suficiente para dar impulso a um crescimento em torno de 3% no PIB. Ou seja, o resultado de janeiro foi “pontual” e não deve contaminar o desempenho de 2018.
Um exame mais aprofundado da indústria brasileira mostra, contudo, que seus problemas vão além das idas e vindas desses indicadores. Questão mais de qualidade do que de quantidade. E mais de futuro do que de curto prazo. Estão aí para comprovar essa tese dois estudos sobre cenários para a indústria brasileira apresentados nesta semana. Por essas lentes, fica visível que a indústria brasileira está andando a passos lentos em comparação com a concorrência internacional e precisa de muito investimento para superar esse “gap” – não só em termos de volume, mas também de adequação.
Aqui no Brasil ainda temos o agravante de que a indústria continua girando em torno do setor de veículos. Ou seja, a produção do setor vai bem quando a de veículos vai bem, idem para o movimento contrário. Por força dessa participação expressiva no conjunto da economia, inclusive no mercado de trabalho, as montadoras continuam recorrendo ao governo para manter benefícios, ou privilégios, dependendo do ponto de vista. Basta verificar, a esse respeito, as ameaças atuais de redução de investimentos e até de saída do País se forem reduzidos os incentivos fiscais na nova política automotiva.
O estudo sobre inovação, feito pelo Centro de Desempenho Industrial do MIT sob encomenda do Senai e apresentado no Fórum Estadão Brasil Competitivo, dá as pistas sobre o que é preciso fazer para que a agenda de inovação resulte efetivamente em ganhos para o País – começando com uma inserção efetiva na economia mundial e passando por integração de pólos de inovação, interação empresas/universidades, estratégias especializadas e alinhamento com a politica industrial.
O Mapa Estratégico da Indústria, formulado pela CNI para o período 2018-2022, vai na mesma direção, ao apontar os principais desafios para a “construção de uma indústria competitiva, inovadora, global e sustentável”. E haja desafio! Trata-se de correr para fazer o que não foi feito até agora, como a correção das deficiências que aumentam os custos de produção e comprometem a produtividade da indústria – leia-se, em primeiro lugar, a melhora da educação. Só para se ter uma ideia do tamanho dessa tarefa, basta ver que, segundo a própria CNI, de 2006 a 2016 a produtividade brasileira cresceu menos que a dos 10 principais parceiros comerciais do Brasil – 5,5%, o que representa, por exemplo, metade do que avançou a da Argentina.
Além de cumprir a velha agenda, a indústria brasileira terá de correr para garantir as novas competências que já estão definindo o futuro do setor em todo o mundo. Governo e empresas terão de trabalhar em torno de prioridades bem mais ambiciosas do que simplesmente prorrogar ou não o Refis de quem está devendo aos órgãos públicos, desonerar ou não os setores que têm poder de “falar mais alto”. Entre outros temas, conhecimento/inovação, economia de baixo carbono, indústria 4.0. É coisa não só para o próximo, mas para os próximos governos. (O Estado de S. Paulo/Cida Damasco)