O Estado de S. Paulo
Prometida inicialmente para outubro do ano passado, depois para dezembro e, por fim, para fevereiro, a nova política para o setor automobilístico, chamada de Rota 2030, ainda enfrenta divergências dentro do governo e agora não tem mais data para ser anunciada. Talvez nem saia do papel neste ano. O adiamento decerto gerará críticas e lamúrias de um setor da indústria que sempre gozou de forte proteção tarifária e de generosos benefícios tributários desde sua instalação no País na década de 1950 e continua a alegar, como sempre, não poder competir e sobreviver sem isso. Mas não será necessariamente ruim para o País, pois outras áreas que exigem recursos públicos poderão ser mais bem atendidas.
Lenta na atualização dos modelos oferecidos ao público doméstico e na adoção de tecnologias de ponta, e por isso pouco competitiva em termos internacionais – seu principal, e quase exclusivo, mercado externo está confinado a países do Mercosul –, a indústria automobilística instalada no País só em anos recentes foi submetida a uma concorrência mais efetiva, por meio da maior abertura às importações. Para superar seu atraso tecnológico em relação aos fabricantes de outros países, tem prometido investir em pesquisas e desenvolvimento, mas os incentivos fiscais a esses investimentos geraram divergências entre os Ministérios da Fazenda e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) na definição do Rota 2030.
Responsável pela execução de um severo, e indispensável, programa de ajuste das finanças públicas – cujo equilíbrio foi destroçado ao longo das administrações lulopetistas –, a equipe do Ministério da Fazenda resiste à concessão de descontos tributários, estimados em R$ 1,5 bilhão por ano, para as montadoras que investirem em pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
É um valor que a equipe econômica considera alto demais se comparado com os cortes a que, por necessidade do ajuste fiscal, estão sendo submetidos outros programas e ações do governo. Além disso, o benefício se destinaria a empresas que, por sua natureza, concentram as ações de pesquisa tecnológica e de desenvolvimento de produtos em suas matrizes ou em centros instalados em outros países. Ou seja, o incentivo fiscal teria pouco efeito prático para a modernização do parque industrial brasileiro e dos produtos oferecidos ao consumidor doméstico.
As montadoras pedem rápida confirmação das regras e da vigência do Rota 2030. Até o ano passado, elas foram fortemente protegidas pelo programa Inovar Auto, que expirou no dia 31 de dezembro. Sob o regime anterior, muitas investiram em suas unidades instaladas no País. Mas a Organização Mundial do Comércio (OMC), numa condenação sem precedentes da política industrial brasileira, exigiu o fim imediato de sete programas que, segundo seus cálculos, distribuíram mais de R$ 25 bilhões às empresas beneficiadas, entre os quais o Inovar Auto. De acordo com a OMC, o regime brasileiro era “inconsistente” com as normas internacionais de comércio e distorcia a concorrência, ao exigir componentes nacionais em veículos aqui fabricados.
Diante das incertezas sobre a data em que entraria em vigor o Rota 2030 – anunciado como substituto do Inovar Auto sem suas falhas mais gritantes –, dirigentes internacionais de montadoras chegaram a afirmar que, sem ele, poderiam encerrar suas atividades no País. A ameaça nem chegou a preocupar setores do governo que estão mais preocupados com a recuperação das finanças públicas e com o cumprimento das regras do comércio internacional do que com bravatas de executivos estrangeiros.
Há poucas semanas, o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Jorge de Lima, chegou a anunciar que as divergências dentro do governo estavam superadas e que o Rota 2030 seria confirmado ainda em fevereiro, o que não ocorreu. O Orçamento da União para 2018 não prevê nenhum centavo de benefício para as montadoras, o que torna pouco provável a vigência do Rota 2030 neste ano. (O Estado de S. Paulo)