O Estado de S. Paulo/The New York Times
Três semanas depois de assumir o governo do Arizona, Doug Ducey adotou uma medida que conquistou o Vale do Silício e abriu caminho para o Estado se tornar o paraíso dos carros sem motorista.
Em janeiro de 2015, Phoenix hospedaria o Super Bowl. Ducey soube que um órgão regulador do Estado pretendia agir e proibir os motoristas do Uber e Lyft de prestarem serviços por operarem ilegalmente. Ducey, republicano, ex- diretor executivo da cadeia de sorveterias Cold Stone Creamery, ficou furioso.
“Era exatamente a mensagem contrária à que deveríamos enviar”, disse ele em uma entrevista. “Nossa mensagem para Uber, Lyft e outros empreendedores do Vale do Silício deveria ser a de que o Arizona estava aberto a novas idéias”. Se o Estado tivesse um slogan, teria de ser incluída a frase: “aberto aos negócios”.
Ducey demitiu o responsável que havia tido a idéia e fechou o Departamento de Pesos e Medidas. Em abril de 2015, o Arizona legalizou o serviço de carona compartilhada.
Desde então a ação do governador foi reforçada e o Estado se tornou o parceiro preferido do setor de tecnologia, transformando-se num laboratório para os veículos autônomos. Nos últimos dois anos, o Arizona é uma área livre de regras para os carros sem motorista, ao contrário de dezenas de Estados que estabeleceram normas para esses veículos no tocante à segurança, impostos e seguros.
“Estamos na fase do oeste selvagem quando se trata dos veículos autônomos, em que as empresas buscam Estados com o mínimo de controles”, disse Henry Hasny, vice-presidente da Advocates for Highway and Auto Safety, grupo sem fins lucrativos com sede em Washington.
E a recompensa para o Arizona veio na forma de um boom de tecnologia, com dezenas de empresas montadoras de veículos autônomos estabelecendo ali suas operações. Diariamente a Waymo, empresa integrante da Alphabet, matriz da Google, como também Uber, Lyft, General Motors e Intel hoje colocam centenas de carros que rodam sem motorista nas ruas de Phoenix, uma metrópole de 1,4 milhão de pessoas.
Algumas companhias começaram a realizar experimentos pioneiros no Estado. A Waymo anunciou na semana passada que vai iniciar testes com carros autônomos em Chandler, um subúrbio de Phoenix, sem um piloto para assumir o comando numa emergência. Até então os experimentos com esses carros sempre tinham um motorista a bordo para agir caso necessário. Uber também vem fazendo testes similares, com o piloto sentado no banco de trás do veículo.
Mas a tolerância do Arizona tem atraído críticas das pessoas preocupadas com a segurança, que acham que as empresas têm excesso de liberdade para realizar seus testes em rodovias públicas. Segundo elas, as empresas automotivas e as autoridades estaduais ainda não resolveram problemas envolvendo a privacidade dos passageiros, prevenção de ataques virtuais contra os carros autônomos, ou como assegurar veículos que rodam sem motorista.
As autoridades do Arizona alegam que a população já está protegida pelas regras básicas estabelecidas, que exigem um condutor com carta de motorista dentro do carro. E acrescentam que darão primazia aos especialistas na elaboração das regras. O órgão estadual encarregado da segurança, por exemplo, informou que vai esperar que o setor de seguros oriente os órgãos fiscalizadores sobre seguro de responsabilidade para os carros autônomos, em meio a dúvidas sobre quem é o responsável num acidente se o veículo não tiver uma pessoa no volante.
“Não devemos nos imiscuir, prescrevendo regras quando não sabemos realmente como o equipamento vai se comportar”, disse John Halikowski, diretor do Departamento de Transportes do Arizona.
Essa abordagem do Estado já vem sendo testada. Em março ocorreu no Arizona o primeiro acidente envolvendo um carro autônomo, quando um veículo dirigido por uma pessoa colidiu com um carro autônomo do Uber, em Tempe. O caso foi rapidamente resolvido porque a polícia declarou que a falha não havia sido do carro do Uber, mas algumas autoridades admitiram não ter analisado todos os aspectos legais em acidentes envolvendo esse tipo de veículo.
O SUV Volvo do Uber agora atende clientes em Tempe diariamente. Waymo já despachou mais de 100 minivans Chrysler para atenderem famílias selecionadas e outros moradores como parte de um experimento bem resguardado; a empresa planeja expandir sua frota para 600 veículos no final do ano, a maioria em Chandler. E dezenas de veículos da GM, Ford, Intel e Lyft, rodam quilômetros e quilômetros por dia nas estradas planas e ensolaradas em torno de Phoenix.
Alguns moradores estão indecisos a respeito. Grupos que representam os cegos apóiam com entusiasmo os carros autônomos, que podem oferecer mais independência aos seus membros. Outros apreciam a ideia porque significa mais empregos chegando ao Estado. Mas muita gente encara o assunto com cautela.
“E se a bateria descarregar e o carro perder o controle? Algum funcionário da empresa vai tirar o veículo da rua?”, indagou Jake Guadarrama, 22 anos, morador de Phoenix.
Não são dúvidas acadêmicas. Veículos autônomos transitando ao lado de carros com um condutor já tiveram problemas.
Por exemplo, em 24 de março Alexandra Cole, moradora de Tempe, entrou com seu Honda CRV 2008 num cruzamento da cidade e numa conversão à esquerda colidiu com um veículo do Uber. O caso foi rapidamente resolvido. Não houve feridos e segundo a polícia a culpa não foi do carro do Uber, mas de Alexandra, que não parou ao fazer uma conversão à esquerda.
Mas o acidente revelou um sistema despreparado para veículos operados por computador.
Se o acidente tivesse sido mais grave, a polícia provavelmente exigiria os dados dos carros autônomos. Se as montadoras recusassem, poderiam ser intimadas a fornecê-los. Prática que já provocou uma disputa acirrada entre o FBI e Apple no ano passado relacionada com o desbloqueio de um iPhone usado por um suspeito em um assassinato em massa. Waymo e Uber afirmaram que a ordem é atender às leis locais onde operam.
O problema do seguro também é controverso, e a discussão é sobre quem assume a responsabilidade num acidente – se a empresa, o responsável pelo software, as fabricantes das peças ou o passageiro com carta de motorista – já que não há um condutor.
“As seguradoras têm de resolver como vão emitir a apólice”, disse Stephen Briggs, porta-voz do Departamento de Seguros do Arizona. O Estado não mudou as regras sobre seguro de responsabilidade para testes com veículos autônomos. “O governo não tem recursos para isto”.
Angel Carbajal, delegado adjunto de polícia, admite que são muitas as incógnita. “A situação é nova e não existe muita legislação explicando como responder a colisões envolvendo veículos sem motorista”, afirmou.
Para o governador Ducey, nada disto é problema. Segundo ele, o acidente foi solucionado adequadamente e mesmo que tecnologia dos carros autônomos não esteja totalmente desenvolvida, a aposta do Estado nesses veículos persistirá.
“São oportunidades culturais para o Arizona ser visto como uma região propícia para se viver, trabalhar e se divertir”, afirmou. (O Estado de S. Paulo/The New York Times/Cecilia Kang e traduzido por Terezinha Martino)