Jornal do Carro
O relacionamento entre revendedores de veículos da montadora ítalo-americana Fiat Chrysler (FCA) no Brasil azedou neste ano, com os distribuidores decidindo recorrer à Justiça contra descumprimento de acordos prévios e competição desleal com vendas diretas.
Os processos incluem um em que os concessionários querem receber da montadora ressarcimento por tributos não pagos pela Fiat a partir de 2007 e que não teriam sido repassados à rede distribuidora na forma de redução de preço dos veículos.
As ações – cinco abertas pela associação de concessionários Fiat, Abracaf – foram iniciadas a partir de setembro e ocorrem em meio a mudanças na administração da companhia iniciadas em 2015, com a entrada do presidente para a América Latina, Stefan Ketter, afirmou uma fonte do mercado com conhecimento da situação dos revendedores.
Procurada no Brasil, a FCA afirmou em comunicado que não comenta ações que estão em andamento. A empresa ”reitera que sempre manteve e continua a manter abertos os canais de diálogo com seus concessionários, na perspectiva de preservar e aprimorar as relações comerciais e institucionais, principalmente nas atuais condições adversas de mercado”. Já a Abracaf não se manifestou.
O Brasil é o maior mercado para a Fiat no mundo fora da Itália. Em 2015, a montadora perdeu a liderança nas vendas de automóveis para a General Motors depois de 14 anos seguidos no topo do ranking, que ajudaram a levar o número de revendas da marca no país para perto de 600 no fim e 2015. Atualmente, a Abracaf representa 520 concessionários no Brasil.
A Fiat está na quinta posição em vendas de carros no país no acumulado deste ano até outubro, com vendas de 143,8 mil veículos, ou 9,5% de participação. Em 2014, antes de perder a liderança, a participação era de 18%.
Segundo uma segunda fonte com conhecimento da situação, o processo envolvendo o ressarcimento aos concessionários de tributos não pagos pela Fiat pode envolver pelo menos 3,4 bilhões de reais. O valor refere-se a 894 milhões de euros em provisões revertidas pela FCA no segundo trimestre deste ano.
Balanço da FCA do segundo trimestre afirma que o valor das provisões foi revertido depois que o Supremo Tribunal Federal decidiu no começo do ano que ICMS não pode ser incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins. A Fiat tinha liminar desde 2007 que permitiu à empresa não recolher o imposto, mas não incluiu nessa ação os concessionários da marca, que afirmam agora no processo que a montadora não poderia aproveitar no seu balanço a totalidade da provisão sem distribuir parte dela à rede.
A parte que caberia aos concessionários seria a relativa às vendas de veículos aos consumidores finais, que em 2007 ainda eram significativamente maiores que as chamadas vendas diretas, quando o veículo é vendido diretamente pela fabricante a clientes pessoa jurídica, como locadoras de veículos. “Poderia-se dizer que 70% disso (dos 894 milhões de euros) caberia às revendas”, disse a segunda fonte.
Acordo descumprido
Além do processo envolvendo a questão do PIS e da Cofins, os concessionários da marca se mostram insatisfeitos com descumprimento de acordo acertado pela montadora com eles em 2015, na gestão anterior a de Ketter, e que previa que os distribuidores poderiam ter no máximo veículos em estoque suficientes para 25 dias úteis de vendas, cinco a mais que o estabelecido pela lei Renato Ferrari, de 1979.
Pelo combinado, cujo descumprimento alegado pela Abracaf em um dos cinco processos contribui para pressionar financeiramente os concessionários, o volume que excedesse o limite de 25 dias úteis teria os custos financeiros bancados pela montadora.
“Ao longo desses últimos dois anos a situação se agravou significativamente, somando-se à manifesta insensibilidade e descumprimento de acordos e previsões legais por parte da FCA (Fiat)”, afirma a entidade no processo.
Segundo a ação, a média anual de estoque dos concessionários obrigados a comprar veículos da montadora foi de 65 dias em 2015, 70 dias em 2016 e 67 dias no acumulado deste ano até outubro.
“A FCA não cumpriu integralmente sua obrigação de pagar os juros sobre o estoque excedente a 25 dias úteis”, afirma o processo que quer a rescisão do acordo de 2015 e o cumprimento da regra prevista na Lei Ferrari, de 20 dias úteis.
“De modo geral, os interesses de uma montadora e concessionários vão até o limite das vendas. Está tudo bem quando se tem venda…É uma relação conflituosa por natureza”, afirmou o gerente de desenvolvimento de negócios da consultoria automotiva Jato Dynamics, Milad Kalume Neto. “A Fiat perdeu participação de mercado relevante e essa relação fica complicada, com montadora querendo pagar menos e concessionária querendo receber mais”, acrescentou.
Em outra ação, a Abracaf afirma que os preços praticados pela Fiat e os modelos oferecidos aos concessionários não têm competitividade para enfrentar rivais, enquanto a montadora oferece vendas diretas a preços abaixo do oferecido a seus próprios revendedores.
A prática de venda direta é comum na indústria de veículos do país, mas a Abracaf sustenta no processo que a Fiat tem exagerado, com a proporção neste ano chegando a mais de 60% das vendas totais.
Segundo dados da entidade citados no processo, a Fiat vendeu quase 84 mil veículos em regime de venda direta, em que concede desconto de 10% a 18% no preço do veículo, apenas no primeiro semestre deste ano ante vendas dos concessionários da marca de 51,3 mil. Como comparação, as vendas diretas da GM no período, segundo o processo da Abracaf, somaram 69 mil veículos.
“A distorção da conduta da FCA é evidente. Até mesmo a GM (atual líder de mercado) realiza número muito inferior de vendas diretas”, afirma o processo aberto pela entidade em setembro e que afirma ainda que a FCA tem intenção de preservar seu resultado às custas dos concessionários. (Jornal do Carro)