O carro elétrico no mercado brasileiro

O Estado de S. Paulo

 

O Acordo do Clima de Paris (COP21) passou a exigir novas relações de produção e consumo de energia. Neste contexto, o padrão de produção, bem como o consumo de energia do setor de transporte, um dos maiores emissores de Gases de Efeito Estufa (GEE), vem sendo questionado, com a defesa cada vez maior do uso do carro elétrico. A tecnologia de carros movidos a eletricidade vem ganhando espaço em todo o mundo, com a produção de novos modelos não só por empresas de tecnologia verde, como a Tesla, mas também pelas montadoras tradicionais.

 

Empresas que ganharam escala e notoriedade global ao longo do século 20 produzindo carros movidos a derivado de petróleo, cada vez mais, lançam modelos de carro elétrico. Fazendo uma retrospectiva rápida desde a Revolução Industrial, saímos de um modelo energético monopolista calcado no carvão mineral e migramos no século 20 para a era do petróleo, que viabilizou os anos gloriosos do Welfare State. Na nova era, parece que não haverá fonte de energia monopolista, e sim uma regionalização em que cada país deverá aproveitar as suas vantagens comparativas.

 

Outra transformação é que os setores da economia responsáveis pelo crescimento passaram a ser os menos intensivos em energia, como o setor de serviços, sendo as startups de tecnologia os exemplos mais emblemáticos. Na nova configuração do setor de energia, passam a ter cada vez mais importância a adequação crescente às demandas ambientais e a consolidação de modelos de consumo energético cada vez mais regionalizados, o que fica claro ao compararmos os perfis de produção e consumo de energia da América Latina e de outros continentes. Essas diferenças resultam em metas ambientais distintas e em planos de transição energética particulares.

 

Portanto, precisamos ficar atentos e não nos deixarmos levar por um conceito de modernidade quando olhamos somente os modelos europeu e americano de transição da matriz energética. Devemos aproveitar nossas características, nossas potencialidades e vantagens comparativas na produção de energia.

 

Desta reflexão surgem perguntas quanto à disseminação do uso do carro elétrico no setor de transporte brasileiro. Esse modelo é o mais adequado para a nossa realidade energética? O carro elétrico é a melhor solução para o problema de emissão de GEE no setor de transporte no Brasil?

 

A princípio, a resposta seria não. O setor elétrico nacional apresenta três problemas que dificultariam uma maior penetração do carro elétrico. Primeiro, porque atualmente não há uma estrutura de oferta segura para o crescimento dos carros elétricos – isso se vê pelas altas tarifas de energia elétrica. Segundo, por restrições, ineficiências e perdas nos sistemas de transmissão e distribuição. Terceiro, com a maior presença na matriz elétrica de fontes intermitentes, como a eólica, a solar e a hidrelétrica a fio de água, haverá necessidade de uma maior geração de energia com combustíveis fósseis. Atualmente, quem garante, mesmo num cenário de baixo crescimento econômico, a segurança energética são as usinas térmicas, que estão praticamente ligadas o tempo todo.

 

Deixar de lado, sem políticas públicas adequadas, o etanol, uma tecnologia pioneira no País, não é uma escolha estratégica nem tampouco acertada. Na nova era da regionalização energética, o Brasil não poderia e não deveria deixar de lado o vasto potencial do setor sucroalcooleiro. Desestimular, com a onda do carro elétrico, a tecnologia do etanol de segunda geração, que usa a palha e o bagaço da cana, não é a melhor opção.

 

Não podemos cair no erro de jogar pela janela nossas vantagens comparativas na produção de energia, como fizemos ao proibir a construção de hidrelétricas com reservatórios. Incentivar carro a etanol não é ser contra o carro elétrico, mas, sim, otimizar nosso potencial diante das demandas ambientais. A simples cópia de modelos adequados a outros países nem sempre é a melhor solução. (O Estado de S. Paulo/Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura – CBIE)