Jornal do Carro
Era 18 de setembro de 2015 e o Salão de Frankfurt (Alemanha), mostra automotiva mais importante do mundo, havia começado no dia anterior. A Volkswagen, uma das donas da casa, preparara uma impressionante estrutura para apresentar, no evento bienal, as novidades de suas 12 marcas, entre as quais estão Porsche e Lamborghini. Coube à Audi a “cereja” do bolo da festa organizada pelo grupo: em um estande exclusivo, repleto de sistemas com tecnologia 4D, havia até uma sala com paredes feitas de gelo.
Naquele dia, porém, explodiu a notícia que fez desmoronar a festa da VW, instalando em sua sede e nos estandes de suas marcas em Frankfurt um clima de velório. Dos Estados Unidos veio a acusação que entrou para a história como um dos maiores escândalos do mundo do automóvel: o “dieselgate”. Assim ficou conhecida a fraude nos testes de emissões dos veículos a diesel das marcas da VW no mundo todo.
Em 20 de setembro, dois dias após as acusações, a empresa assumiu ter mesmo aplicado esse golpe, divulgando também o número total de veículos envolvidos: 11 milhões. Dois anos após o desenrolar desses fatos, os holofotes da indústria automobilística estão novamente voltados para o Salão de Frankfurt, cuja edição de 2017 termina hoje. No evento, o que se vê é uma VW bem diferente da de 2015, obrigada a mudar para retomar a rentabilidade após o pagamento de multas bilionárias.
Além disso, a fim de salvar sua reputação, o grupo alemão teve de mudar o direcionamento de suas operações. Os reflexos dessas mudanças, que envolveram ampla reformulação no quadro de executivos e descentralização da gestão, podem ser vistos em Frankfurt.
Na feira, são poucos os modelos feitos em série apresentados pelas marcas do conglomerado. Os focos são direção autônoma (caso da Audi) e veículos elétricos. No estande da marca Volkswagen, por exemplo, há três protótipos da linha I.D., que utilizam a plataforma que a empresa lançará exclusivamente para automóveis eletrificados. Trata-se do inédito I.D. Cross, que lembra um crossover, do I.D. e do I.D. Buzz, releitura da Kombi e cuja produção em série está confirmada para a próxima década. Em comum, todos têm propulsão elétrica.
Esse tipo de veículo passou a ser o foco da companhia alemã, que almeja passar a imagem de empresa sustentável, em contraposição ao alto nível de poluição causado por seus modelos a diesel. Durante o salão, o Grupo Volkswagen anunciou que, até 2030, todas as marcas do grupo terão pelo menos uma versão eletrificada (elétrica ou híbrida) em cada gama de produtos.
Nos próximos oito anos, serão 30 híbridos do tipo “plug-in” (recarregáveis em tomada) e 20 carros totalmente elétricos. A empresa informou que está investindo ¤ 20 bilhões (cerca de R$ 75 bilhões), ao longo desta e da próxima década, para pesquisa e desenvolvimento de veículos elétricos de híbridos.
Além disso, a VW vem trabalhando para aumentar a autonomia das baterias que alimentam os motores elétricos. Audi e Porsche já mostraram protótipos com autonomia de cerca de 500 km – a produção em série já foi confirmada. Uma das metas do grupo é produzir baterias para seus veículos eletrificados.
Multas e indenizações têm custo estimado em US$ 25 bilhões
De setembro de 2015 até agora, estima-se que o Grupo Volkswagen já tenha pago pelo menos US$ 25 bilhões (mais de R$ 78 bilhões) em multas a governos e indenizações a consumidores. Em janeiro deste ano, a empresa conseguiu fechar um acordo com o governo norte-americano por meio do qual pagará outros US$ 4,3 bilhões (cerca de R$ 13,5 bilhões), o que pode ser considerado uma vitória. Isso porque a estimativa inicial era de que o montante poderia chegar a US$ 37 bilhões (em torno de R$ 116 bilhões) em multas pagas aos EUA.
Além de desembolsar essa dinheirama, a companhia teve de dar início a um recall para regularizar os 11 milhões de veículos envolvidos no “dieselgate”. A ação inclui modelos das marcas alemãs VW, Audi e Porsche, da espanhola Seat e da Skoda, com sede na República Checa.
No Brasil, o único carro convocado para receber os ajustes é a picape Amarok – o recall teve início em maio deste ano.
Mesmo com esses gastos, o grupo, líder mundial de vendas no ano passado, conseguiu um bom resultado financeiro no primeiro semestre deste ano. O lucro foi de US$ 6 bilhões (quase R$ 19 bilhões).
Para continuar sendo lucrativa após os prejuízos desencadeados pelo “dieselgate”, a companhia tomou diversas medidas para reduzir seus custos. Em novembro do ano passado, o grupo anunciou a demissão de 30 mil funcionários de todas as suas marcas no mundo.
Outra providência foi cortar sua participação no automobilismo. As marcas Audi e Porsche anunciaram suas saídas do Campeonato Mundial de Endurance (WEC), que inclui a 24 Horas de Le Mans (França).
A categoria, na qual as duas marcas disputavam com protótipos, demanda alto investimento e funciona como uma espécie de laboratório para desenvolvimento de carros de rua.
Audi e Porsche estão indo para a Fórmula E, que é exclusivamente para carros elétricos e, no mundo do automobilismo, é considerada uma categoria barata. Além de reduzir o gasto no esporte a motor, a migração é um instrumento de marketing para divulgar o novo direcionamento do grupo alemão.
Isso é mais evidente no caso da Audi, que disputava o WEC com protótipos híbridos (motores elétricos e a diesel). A transferência para a Fórmula E ajuda a mostrar o comprometimento da companhia em abandonar a aposta nos carros a diesel para investir nos elétricos.
Discrição. No Salão de Frankfurt deste ano, a participação das empresas do grupo é bem mais discreta do que em 2015. A Audi, em vez de pavilhão próprio, tem um estande “apertado” na mesma área das demais marcas da Volkswagen. O número de modelos expostos, especialmente os que serão produzidos em série, é bem inferior ao dos dois outros grupos alemães – BMW e Daimler (Smart e Mercedes).
Diferentemente das duas conterrâneas, a VW abriu mão da opulência tecnológica nos estandes de suas marcas. Com isso, acabou sendo ofuscada pela grandiosidade das apresentações das outras alemãs.
Entenda o caso que ficou conhecido como Dieselgate
A Volkswagen instalou em veículos com motores 1.2, 1.4, 1.6 e 2.0 a diesel um software desenvolvido pela Bosch, com o objetivo de fraudar os testes de emissões de poluentes. Durante os ensaios, os modelos equipados com o sistema emitiam menos óxido de nitrogênio (NOx) que em condições reais de uso.
A fraude foi descoberta por pesquisadores da Universidade da Virgínia, nos EUA. Eles passaram a medir o nível de emissões de alguns carros. Com isso, aferiram que os modelos da Volkswagen produziam de dez a 40 vezes mais NOx que o apurado nos testes feitos pelo governo.
Após o escândalo protagonizado pela Volkswagen, diversas outras marcas ficaram na mira dos governos, inclusive as também alemãs BMW e Mercedes-Benz. Porém, não foram encontradas irregularidades nos modelos a diesel dessas empresas.
Em março deste ano, o governo francês começou a investigar a Renault e a FCA (Fiat Chrysler Automobiles), suspeitas de também terem cometido fraudes em testes de emissões. Em maio, a FCA passou a ser investigada pelo governo norte-americano.
Se, ao final das investigações, ficarem comprovadas irregularidades nos carros a diesel das marcas da FCA, as multas podem chegar a US$ 6 bilhões (cerca de R$ 19 bilhões). (Jornal do Carro)