O Estado de S. Paulo
Um carro para cada quatro habitantes, esse é o total da frota de veículos no Brasil. São cerca de 52 milhões de motores circulando pelas cidades diariamente, um número expressivo e que revela um problema preocupante. O que fazer com essa frota depois que ela envelhecer? Reciclar pode ser uma solução vantajosa.
A comercialização de peças usadas não é uma novidade no país, mas sempre esteve atrelada ao mercado informal. Na maioria das vezes, abastecida por veículos roubados. No entanto, desde de 2014, com a aprovação da Lei do Desmanche, essa realidade mudou. A venda de peças usadas foi regulamentada, tornando-se um setor fértil para abertura de novos negócios.
A Renova Ecopeças, foi um das empresas que chegou ao mercado especializando-se apenas na gestão dos usados. Até o momento cerca de 5 mil de carros já foram reciclados, gerando benefícios para os clientes e o meio ambiente. Fabio Frasson, superintendente da empresa, destaca que o setor está em crescimento e que ainda há muito a ser explorado. “ A Renova, hoje, recicla 1.500 veículos por ano. É algo ainda muito pequeno perto do potencial que o Brasil tem.” De acordo com a companhia, um veículo pode ter até 95% das suas peças reaproveitadas, o que gera valor para o automóvel mesmo após o seu ciclo de vida ter chegado ao fim.
O modelo de operação da Renova começa com a descontaminação do veículo, onde gases e fluídos são retirados do carro e recebem uma destinação ambientalmente correta. O processo de desmontagem é feito em seguida. As peças são separadas, avaliadas e classificadas. As consideradas em perfeito estado ou com pequenas avarias, mas que não compromete o seu funcionamento, recebem um código digital que garante a sua procedência e rastreabilidade para, então, serem direcionadas à venda. As demais, consideradas impróprias para revenda, são encaminhadas para outras empresas que fazem a reciclagem correta do material.
Em diversos países, como Estados Unidos e Japão, a prática do reaproveitamento já acontece há bastante tempo, com grau de reciclagem de mais 80% do total da frota. Ou seja, o veículo é adquirido, usado e posteriormente retirado de circulação para reciclagem. No Brasil, esse processo ainda é baixo, representando apenas 1,5% de sua frota, segundo avaliação da Sindinesfa (Sindicato das Empresas de Sucata de Ferro e Aço). Para Frasson, esse realidade deve mudar, porque as vantagens são grandes. “Isso diminui o roubo de veículos e a violência e a sociedade ainda tem a oportunidade de comprar uma peça até 70% mais barata”, afirma.
Benefícios econômicos e ambientais
Mas os benefícios não são apenas econômicos, a prática também apresenta contribuições positivas para o meio ambiente. Estima-se que um carro reciclado equivale a menos 3,700 kg de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Além disso, durante o processo de desmonte, fluídos e outros materiais que não podem ser aproveitados recebem uma destinação ambientalmente correta, diminuindo risco como o de contaminação do solo e da água. A reciclagem também soluciona o problema do abandono, que normalmente representa riscos para a saúde pública com a proliferação de doenças. Carros degradados e expostos ao tempo pode tornar-se criadouros do mosquito como o da dengue.
Outra empresa que faz gestão de resíduos automotivos é a Dpaschoal. Ela não pratica a revenda de peças usadas, mas incentiva a conscientização dos seus clientes sobre o momento certo para fazer a manutenção do veículo. “O pneu tem um limite para ser rodado, se você tira muito antes disso, na verdade, você tá utilizando incorretamente o produto. Se tirar depois, compromete a segurança”, comenta Leandro Richter, gerente da Linha Leve da DPaschoal. De acordo com ele a iniciativa evita prejuízos financeiros para o cliente e ao, mesmo tempo, cuida do meio ambiente, já que pode antever e prevenir grandes transtornos. Um exemplo é o lançamento de fumaça preta pelo escapamento, que pode ser um sinal de problemas no motor.
Além de ações educativas, a empresa também faz a destinação correta dos produtos trocados durante a revisão, como pneus, baterias, óleos lubrificantes da suspensão e freios. Esses materiais são destinados à empresas de reciclagem especializada, que transformam os materiais em novos produtos. Cerca de 80% dos pneus passam por um processo de trituração que resulta em um pó utilizado na fabricação de tapetes, chinelos e até asfalto. Richter destaca a importância da ação por reconhecer que os produtos apresentam grandes riscos para a natureza. “Se não destinados corretamente, são altamente poluidores. Um pneu jogado no meio ambiente leva centenas de anos para se decompor naturalmente. Além disso, o ele é um dos principais causadores da água parada”. A Dpaschoal já concorreu ao Prêmio Eco da Amcham
“É algo que tá na essencia da empresa. Entendemos que somos responsáveis por todo o processo”, reitera o gerente da Linha Leve. Desde o início do programa de economia verde, a Dpaschoal já reciclou mais de 4 milhões de pneus. Além disso, as ações educativas já evitaram a troca desnecessária de 700 mil pneus, 500 mil baterias e 1 milhão de itens de suspensão. Ou seja, promovendo o melhor aproveitamento do veículo.
A importância do monitoramento
As empresas também destacam a importância de desenvolver um sistema de monitoramento das peças, sejam para aquelas que serão revendidas ou encaminhadas para a reciclagem. Isso garante maior segurança para o cliente, evitando que os produtos cheguem ao mercado informal.
O sistema EcoControl da Dpaschoal permite rastrear os itens deixado na loja durante a manutenção. Todas as peças são etiquetadas e cadastradas no programa, que encaminha notificação indicando trajeto da loja até o centro de reciclagem, comprovando o descarte correto do produto. Os clientes também recebem um certificado de responsabilidade social pela iniciativa.
Na Renova Ecopeças todas as peças desmontadas ganham um QR Code, que contém informações sobre a procedência do produto e sua regularização no Detran. De acordo com Frasson, o cadastramento é uma forma de certificar a garantia dos produtos. “O selo identifica a peça como se fosse um cpf. Qualquer consumidor com o seu smartphone podem identificar qual é a procedência, evitando a compra de peças roubadas”. (O Estado de S. Paulo/Amcham Brasil)