O Estado de S. Paulo
O processo de retomada da economia pode ser mais vigoroso do que diz o debate dos economistas, mesmo em meio à atual crise política. Segundo um estudo da Tendências Consultoria e obtido com exclusividade pelo ‘Estado’, a retomada se generalizou e tende a se consolidar nos próximos meses, com ou sem a permanência do presidente Michel Temer no cargo, a não ser que aconteça uma nova catástrofe na arena política, que ainda não aparece no radar.
“Os analistas estão exagerando no pessimismo”, diz o economista Adriano Pitoli, sócio e diretor da área de análise setorial e inteligência de mercado da Tendências. “Não acredito que, com a crise política, a retomada foi para o vinagre.”
De acordo com o estudo, que levou em conta 28 indicadores, a melhora do cenário não representa apenas um resultado pontual, mas uma tendência que vem ganhando força desde o final de 2016 e principalmente desde o início de 2017. Exceto no caso do nível de ocupação, que mostra sinais de recuperação apenas em abril e maio (último dado disponível), os demais indicadores apresentam melhora há pelo menos quatro meses desde que atingiram o fundo do poço.
Temperatura
Vários indicadores, como a massa de renda do trabalho, a renda média da ocupação habitual, o crédito para pessoas físicas e a produção de bens duráveis, estão em alta contínua desde novembro ou até antes disso.
Embora os dados da pesquisa não reflitam o período que se seguiu à delação do empresário Joesley Batista, divulgada em 17 de maio, os primeiros indicadores de junho, como as vendas de veículos, divulgadas nesta semana, apontam para a manutenção da tendência observada até maio. “É preciso entender o que os dados estão dizendo para a gente e como está a temperatura da economia agora”, afirma.
Na avaliação de Pitoli, a continuidade da retomada vai depender muito dos desdobramentos da crise política, inclusive do resultado das urnas em 2018. Também dependerá do resultado do que ele chama de “queda de braço entre o resgate dos fundamentos macroeconômicos no curto prazo e a percepção de riscos quanto à governabilidade e à solvência do Estado no médio e longo prazo”. Ainda assim, ele acredita haver motivos para um “escaldado otimismo” a respeito do desempenho da economia nos próximos meses, mesmo com o impacto da delação de Joesley Batista nos indicadores. “O jogo está sendo jogado e o cenário para o segundo semestre de 2017 e para 2018 está em aberto. Mas é preciso reconhecer que há um processo de melhora da economia em curso e que sua magnitude não é tão pequena quanto se imagina.”
Ao contrário de muitos de seus pares, Pitoli não atribui tal resultado só a “fatores exógenos”, como a alta dos preços das commodities no mercado internacional. Para ele, a retomada recebeu um impulso significativo do agronegócio, que deverá colher uma safra quase 25% maior que em 2016, e da de grandes projetos de investimento, em especial nos setores de petróleo e mineração, em processo de maturação.
Endividamento
Pitoli também contesta a ideia, defendida por muitos economistas, de que não há margem para o aumento do consumo por causa do alto endividamento das famílias. Ele afirma que esse diagnóstico não leva em conta o crescimento da renda das famílias nos últimos meses nem a queda dos juros, que afetam positivamente a equação. Além disso, diz, os bancos agora estão começando a repassar a queda dos juros para os tomadores de crédito, ampliando as linhas de prazos mais longos e juros mais baixos, com impacto principalmente no setor de veículos.
“Em qualquer país, quando há um controle da inflação e uma redução dos juros, a economia responde”, afirma. “Mesmo considerando toda a incerteza política, os analistas estão negligenciando um pouco a capacidade de os instrumentos tradicionais de política monetária agirem sobre a política econômica.”
Com Temer ou sem Temer, o que importa, de acordo com Pitoli, é a manutenção da equipe econômica. Mesmo que a reforma dos sonhos na Previdência não seja aprovada agora, a retomada poderá se manter, ainda que em ritmo menor. “Não há dúvida de que, com a aprovação da reforma da Previdência, a economia poderá melhorar mais rápido”, afirma. “Mas isso não significa que, se ela não for aprovada ou se for aprovada uma reforma capenga nos próximos seis meses, o Brasil vai cair num precipício”. (O Estado de S. Paulo/José Fucs)