O Brasil além da crise

O Estado de S. Paulo

 

Com o tsunami político provocado pela delação do empresário Joesley Batista, um clima sinistro propagou-se pelo País. Analistas de mercado, ancorados em experiências do passado, vislumbraram o caos na economia, que dava os primeiros sinais de vitalidade, depois da pasmaceira dos últimos anos. Nas redes sociais, ecoou um sentimento de desesperança em relação ao futuro, reforçado pela absolvição da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), contestada por boa parte dos brasileiros, na semana passada.

 

Mas, desta vez, ao contrário do que aconteceu em outras crises, os estragos na economia até agora foram relativamente restritos. Um mês depois da delação de Joesley se tornar pública, o que se observa no mundo real, por trás da profusão de notícias negativas, é uma inusitada calmaria. O cenário está longe de ser cor-de-rosa, mas, considerando a magnitude do maremoto, a economia mostrou um poder de resistência surpreendente. “A resiliência da economia brasileira ao choque da nova crise política é admirável”, diz o economista Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central (BC) e diretor do Centro de Economia Mundial, ligado à FGV do Rio.

 

No mercado financeiro, passado o pânico inicial, as operações voltaram praticamente à normalidade. Apesar de o Copom – o Comitê de Política Monetária do BC – ter informado que poderá reduzir o ritmo do corte nos juros, em razão das incertezas no front político, a taxa básica continuou a cair, chegando a 10,25%, o menor nível desde 2014.

 

Mesmo as projeções para a economia real quase não sofreram mudanças. De acordo com os dados do BC, a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no ano caiu de 0,5% para 0,4%. Se tal previsão se confirmar, o Brasil ainda fechará 2017 deixando a recessão herdada de Dilma para trás. “Houve, talvez, uma redução na inclinação do voo ascendente da economia, mas não virou descendente, não”, afirma Flavio Rocha, presidente da Riachuelo, uma das maiores redes de varejo do País.

 

Retrospecto

 

À primeira vista, pode parecer estranho que a economia tenha um desempenho à margem da política. Mas, como lembrou o colunista do Estado Celso Ming, em artigo publicado na quinta-feira passada, esse descolamento não é algo novo no mundo. A Itália, por exemplo, viveu o mesmo fenômeno. Durante décadas, a economia italiana se manteve firme e forte, apesar das sucessivas crises políticas. Talvez agora, no Brasil, onde a política e a economia sempre tiveram estreita relação, isso possa acontecer também.

 

Em parte, o descolamento observado até o momento deve-se ao retrospecto positivo do próprio Temer na economia. Independentemente de seu possível envolvimento em escândalos de corrupção, que será julgado no devido tempo pela Justiça, ele abraçou uma agenda reformista e modernizadora, e propôs um conjunto corajoso de medidas para viabilizar o crescimento sustentável do País. “Ninguém aprovou tanta coisa importante em tão pouco tempo quanto o Temer”, afirma o economista Antonio Delfim Netto, ex-deputado federal e ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura.

 

Em pouco mais de um ano, Temer implementou, em parceria com o Congresso Nacional, o controle dos gastos públicos, propôs as reformas da Previdência e trabalhista e apoiou a mudança do marco regulatório e a redução das exigências de conteúdo nacional no setor de petróleo e gás. Promoveu também uma renegociação das dívidas estratosféricas dos Estados, que, se não é a ideal, representa um ponto de partida para a solução definitiva do problema, e cortou os empréstimos com juros subsidiados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). De quebra, ainda idealizou um programa ambicioso de concessões e privatizações, sem o tabelamento do lucro, como acontecia no governo Dilma.

 

Mais que tudo, porém, a relativa tranquilidade da economia se deve à credibilidade da atual equipe econômica e à percepção de que, mesmo se Temer deixar o cargo, ela será mantida, assim como a agenda de reformas e de modernização da economia. “Qualquer que seja o desfecho da crise política, a estratégia econômica vai continuar”, diz Langoni. “Ela poderá até sofrer desvios, ajustes de timing, mas sua direção não deverá mudar. A não ser que aconteça um novo tsunami político, uma recaída populista ou uma nova aventura heterodoxa.”

 

Nas últimas semanas, pipocaram informações, vazadas pelo núcleo político do governo, de que Temer, acossado pela crise, poderá ressuscitar medidas que deram errado no governo Dilma, para tentar alavancar a economia e melhorar a sua popularidade, como a ampliação dos créditos do BNDES com juros subsidiados e a distribuição de benesses com impacto negativo na arrecadação, como a correção na tabela do imposto de renda e nos benefícios do Bolsa Família.

 

Balões de ensaio

 

O próprio presidente, porém, teria pedido cautela com o “pacote de bondades” à turma do núcleo político. Temer sabe que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não apoia essas medidas e tudo de que não precisa agora é arrumar confusão com ele. Meirelles – o grande fiador da estabilidade econômica – acredita que não há mágica para retomar o crescimento e que o melhor caminho é persistir nas reformas da Previdência e trabalhista e tentar avançar com a reforma tributária e as reformas microeconômicas.

 

“As medidas oportunistas para estimular a economia produziram resultados desastrosos, que levaram à imensa crise da qual estamos tentando sair”, afirma o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, uma escola de negócios de São Paulo, e ex-secretário de Política Econômica do governo Lula. “Às vezes, surgem balões de ensaio, mas depois o balão cai no chão”, diz Tony Volpon, ex-diretor da área internacional do BC e economista-chefe do banco suíço UBS no Brasil. “A economia está num processo ainda frágil de recuperação e não é hora de brincar com a política econômica.”

 

Com o atraso na votação da reforma da Previdência, ganharam força também os questionamentos sobre a real capacidade de Temer para aprovar as reformas no Congresso, se ele permanecer no cargo. Mas, segundo uma pesquisa realizada pelo projeto Congresso em Números, da FGV do Rio, Temer manteve a média de apoio que vinha tendo na Câmara dos Deputados, de 73,5%, mesmo nas duas semanas seguintes à delação de Joesley.

 

Apesar do mar de lama que atinge boa parte de Brasília, parece haver certa conscientização de que a agenda de Estado tem de avançar. O País, com 14 milhões de desempregados, não resistirá a mais um ano de paradeira. Até partidos que entregaram os ministérios depois da delação de Joesley, como o PPS, declararam que apoiarão as reformas da Previdência e trabalhista. O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) disse também que, mesmo se os tucanos saírem do governo, continuarão a apoiar as reformas. Outros partidos, como o DEM e o PMDB, de Temer, o maior partido no Congresso, deverão seguir a mesma trilha. Caso isso se confirme, o descolamento entre a economia e a crise política poderá se prolongar. O próximo presidente, a ser eleito em 2018, poderá, então, dar sequência à agenda de reformas e colher o que se plantar agora. (O Estado de S. Paulo)