Carplace
Agora é oficial. A Volkswagen anunciou a assinatura de um Memorando de Entendimento (MoU, ou memorandum of understanding, em inglês) sobre uma parceria de longo prazo entre as empresas que será encabeçada pela Skoda. Pode parecer que o Brasil não tem nada a ver com o pato, mas não se engane: podemos ser profundamente afetados por este acordo.
O máximo de informação que vem na divulgação oficial é que o acordo “forma a base para explorar uma cooperação estratégica de longo prazo em campos claramente definidos”. Mas, por sorte, sabemos exatamente quais campos são estes: plataformas e elementos elétricos. Se tem pouca informação, o release tem grandes promessas.
“Nosso objetivo com essa parceria estratégica com a Tata Motors é criar as fundações no grupo e nas marcas que vão nos permitir oferecer soluções de mobilidade orientadas aos clientes em mercados automotivos emergentes e de crescimento rápido, assim como em outros. Ao oferecer os produtos apropriados, queremos atingir crescimento sustentável e lucrativo em partes muito diferentes do mundo. É por isso que estamos perseguindo nossa estratégia de crescimento regional”, disse Matthias Müller, CEO da Volkswagen. Isso parece claro o suficiente, mas a gente traduz.
A Volkswagen criou plataformas modulares para ter uma tremenda economia de escala. A MQB é o exemplo mais popular dessa estratégia. O problema é que isso funciona na Europa, na China e nos EUA, mercados de alto poder aquisitivo e volumes altos de vendas. Mercados emergentes, como o Brasil, têm volumes menores e uma turma com renda per capita muito baixa. Não adianta querer vender Golf para que só consegue comprar Gol. E é aí que a Tata entra.
Indianos são famosos por criarem soluções de baixo custo para problemas graúdos. Em 2013, os cientistas do país mandaram a Marte o satélite Mangalyaan pelo equivalente a US$ 75 milhões. Um programa da Nasa gasta 10 vezes mais. O filme “Gravidade” custou US$ 100 milhões. Em suma, eles sabem fazer o mesmo por menos. E é esse o interesse da Volkswagen na Tata.
A empresa anunciou recentemente a AMP, ou Advanced Modular Platform (plataforma modular avançada). Ela pesará 170 kg menos do que as plataformas que a Tata usava antes e já está preparada para eletrificação e hibridização. Com 15 módulos, ela permitirá criar SUVs, sedãs, hatchbacks e crossover de diferentes tamanhos sobre a mesma estrutura. A custo baixo, que é o que a Volkswagen precisa para que seus carros não “valorizem” mais do que o razoável, como anda acontecendo com os fabricados no Brasil. Lembre-se do caso recente da nova geração do VW Gol, que teve de se transformar em Polo (e em Virtus, sua versão sedã) porque a plataforma MQB A0 era cara demais.
A Tata está para mostrar o primeiro modelo criado sobre a AMP, o projeto X451, que será chamado de Nexon. Antes que você ceda à tentação de dizer que o carro é uma porcaria e por aí afora, pense que a Volkswagen não se meteria em barca furada, o que equivale a dizer que fez um estudo sobre a AMP e avaliou sua viabilidade pelos padrões de qualidade que normalmente exige. A não ser que tenha baixado esses padrões para clientes de países emergentes…
A Tata ganha com acesso às tecnologias da Volkswagen, especialmente as de componentes e sistemas elétricos, em acesso a novos mercados e em volumes. A AMP só vai se pagar em termos de desenvolvimento se der origem a uma série de veículos. E quem melhor para ajudar nisso do que a maior fabricante de carros da atualidade. Outra: a Tata quer vir para o Brasil há anos, além de entrar em outros mercados nos quais ainda não atual. Se sua plataforma já estiver nestes lugares, o processo fica bastante facilitado.
Os carros da Tata poderiam ser fabricados em plantas da Volkswagen, que também se beneficiaria por uma ocupação mais alta de sua capacidade produtiva. A parte de distribuição e assistência fica com a indiana. É ou não é um negócio da Índia?
O acordo da VW com a Tata também inclui motores, já que os atualmente fabricados pela VW seriam caros demais para muitos mercados. Com plataforma e mecânica comuns, os custos das duas marcas seriam bem mais baixos do que se estivessem sozinhas.
Ainda que o começo do desenvolvimento seja apadrinhado pela Skoda, com modelos da marca tcheca, que é bastante popular na Índia, o acordo parece o embrião da marca de baixo custo que a Volkswagen prometeu para a China em 2019. A Skoda desenvolve e a nova submarca lança. Adivinha para quando os novos modelos VW com plataforma AMP estão previstos? Para 2019…
Aguardemos os desdobramentos do acordo. E se a Volkswagen não arruma treta com a Tata, como arrumou com a Suzuki. Se a coisa progredir, você talvez dirija, dentro de alguns anos, um Tata com a marca Volkswagen. Ou um VW com a marca Tata. (Carplace/Gustavo Henrique Ruffo)