UOL Carros
Afivele o cinto: três em cada 10 carros que rodam por aí envolvidos em recalls não atendem ao chamado. Segundo dados do Ministério da Justiça (MJ), o índice de adesões às convocações de 2015 é de assustadores 28,5% – infelizmente, muitos donos ignoram as convocações, como também ocorre no segmento de motos. E a culpa também é dos Detrans.
A ausência de uma base de dados integrada dos veículos depois que saem das concessionárias é vista como uma das causas para a baixa eficiência dos recalls. E somente a partir do fim de julho é que todos os Detrans estaduais passarão a informar no documento do veículo se há algum recall pendente.
Detalhe: a exigência de comunicar o não-comparecimento no documento do carro existe desde muito antes do “7 a 1”. A Portaria 069 do Denatran previa que, a partir de março de 2011, “as informações referentes às campanhas de recall não atendidas no prazo de um ano, a contar da data de comunicação, constarão no Certificado de Registro e licenciamento de Veículo (CRLV)”.
Questões operacionais e logísticas dos Detrans seriam responsáveis pelo atraso. Procurado por UOL Carros, o Denatran garantiu, por e-mail, que vai resolver tudo em breve: “A apuração (…) de veículos com registro de recall, nas bases estaduais dos Detran, se dará até o final do mês de julho de 2016, momento em que os Detran poderão iniciar a divulgação dos referidos recalls abertos e impressão de anotação no CRLV daqueles veículos cujo recall exista há mais de um ano”.
Atualmente, o fabricante tem que informar ao MJ os modelos que estão envolvidos em recall, mas só tem dados de quem comprou carro novo. Depois que esse veículo é revendido, a informação se esvai.
Quem compra um modelo seminovo, por exemplo, tem que acessar o site do Ministério ou do Denatran e ver se o modelo está envolvido em recall.
“Importante dessa determinação é que os Detrans têm que ter uma base de dados dos veículos, e esse cruzamento de informações tem que ser rápido”, afirma Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste, organização de defesa do consumidor.
O tamanho do problema
Destrinchando a porcentagem ínfima de atendimentos ao recall em 2015, de 30%, temos, em números absolutos, pouco mais de 770 mil unidades reparadas. Mas as fabricantes convocaram (e informaram o Ministério da Justiça de) mais de 2,72 milhões de carros de passeio – número recorde.
Em 2016, de janeiro a abril, mais de 857 mil automóveis foram convocados, mas apenas 38 mil atendidos (4,4%) – os fabricantes têm prazo de 60 dias para convocarem o recall, ou seja, são dados até o fim de abril, mas que incluem novas fases do mega-recall de airbags fornecidos pela Takata, que atinge mais de 2 milhões de veículos no Brasil e 40 milhões em todo o mundo – o mais recente caso, por exemplo, envolve modelos da Honda, com 325 mil unidades.
Recall nunca vence
O informe de recall no documento teria poupado o contador Marco Aurélio Sampaio, no mínimo, do susto. Morador de São Paulo, ele adquiriu um Honda Fit 2013 recentemente. Mas só soube, ao ser procurado pela reportagem do UOL Carros, que seu automóvel está envolvido no chamado para substituição do insuflador do airbag do motorista – a falha global que envolve milhões de carros de diversas marcas por conta de bolsas de ar defeituosas feitas pela Takata.
“Quando vocês me procuraram pela primeira vez é que descobri que o meu Fit tem um recall e que ainda não foi atendido”, contou Sampaio.
Depois disso, o proprietário disse já ter agendado o reparo do Fit junto à revenda. Mas preferiu não fazer fotos com o carro para ilustrar este texto: “Tenho medo que, por causa disso, meu carro desvalorize na hora que eu for passá-lo adiante”, apontou Sampaio.
Maria Inês, da Proteste, lembra que o atendimento do recall não tem prazo de validade. “Quem compra um usado tem que verificar se tem recall e se foi atendido. Caso contrário, o novo dono pode levar o carro e fazer o reparo sem custo, mesmo se o anúncio for antigo”.
Recall desvaloriza carro?
O susto de Sampaio quanto à desvalorização do carro é injustificado. Ilídio dos Santos, presidente da Fenauto (que reúne os revendedores de veículos usados) descarta haver desvalorização dos modelos, ou entrave para o negócio devido ao “carimbo” no documento.
“É um direito do consumidor. Ele pode ir à concessionária e fazer o reparo a qualquer momento e sem custo. Claro que é um serviço a mais para o cliente acessar, mas é mais uma garantia que ele terá para o negócio”, afirma Santos.
Há quem defenda que o informe de recall poderia vir de outra forma. José Aurélio Ramalho, presidente do ONSV (Observatório Nacional se Segurança Viária), apoia o sistema de dados, mas diz que isto poderia vir na forma de um “nada consta”, nos moldes da consulta para ver se há multas pendentes ou se o carro está alienado.
“A partir do registro no documento se cria um problema comercial. Deveria ter um sistema para informar se há recall em aberto e a decisão fica a cargo do acerto entre quem vende e quem compra”, defende Ramalho. (UOL Carros/Fernando Miragaya)