Brasil no fim da fila do livre-comércio

O Estado de S. Paulo

 

Com uma política de Estado focada apenas na combalida Organização Mundial do Comércio (OMC) e com um setor industrial refratário a concessões, o Brasil ficou à margem da expansão sem precedentes de acordos bilaterais e regionais do comércio na última década. Ao final de fevereiro de 2016, o País era o que tinha o menor número de tratados comerciais entre os países do Brics. Além disso, estava envolvido em apenas cerca de 1% dos acordos fechados pelo planeta. Na prática, o sistema comercial do século 21 começou a ser construído sem a presença do Brasil.

 

Agora, o discurso do novo ministro das Relações Exteriores, José Serra, apontando que o governo de Michel Temer vai relançar a ideia por acordos bilaterais foi acompanhado com grande atenção por governos de todo o mundo e nos corredores da OMC Mas, segundo diplomatas e analistas consultados pelo Estado, uma mudança na postura do Brasil não vai depender apenas do governo. Para experientes observadores na União Europeia (UE), por exemplo, um dos maiores entraves foi sempre a indústria brasileira, que evitava aceitar qualquer abertura de seu mercado. “A Fiesp terá de ser convencida a ceder”, disse um alto funcionário da UE em Bruxelas.

 

Outro obstáculo que o Brasil enfrentava para fechar acordos comerciais era o governo de Cristina Kirchner na Argentina, que deixou claro por anos que não queria um acordo de livre­comércio com a Europa ou com qualquer outra economia que pudesse ameaçar seus aliados nacionais. “Com a chegada de Maurício Macri à presidência da Argentina, as coisas mudaram”, disse Francisco Assis, deputado do Parlamento Europeu, entusiasmado com a possibilidade da retomada da negociação entre UE e Mercosul.

 

“Com Temer e Macri, acreditamos que haverá um impulso nas negociações entre o Mercosul e a UE. Não será um processo fácil. Mas ele faz todo o sentido, econômico e também em termos geoestratégicos”, disse o deputado, responsável pelos assuntos de Mercosul no Parlamento Europeu.

 

Mas, mesmo dentro do Itamaraty, muitos alertam que a busca por acordos comerciais de forma bilateral não conseguirá resolver um dos principais obstáculos para as vendas brasileiras: os subsídios agrícolas de Estados Unidos, Europa e Japão.

 

Para trás

 

Dados da Organização Mundial do Comércio mostram que, entre 2005 e 2016, o cenário internacional foi bruscamente modificado por uma proliferação inédita de acordos bilaterais. No início de 2005, estavam em vigor cerca de 260 tratados entre países, concedendo diferentes benefícios a exportadores. Ao final de fevereiro de 2016, o cenário era radicalmente diferente: no total, governos haviam notificado à OMC mais de 625 acordos comerciais, envolvendo tanto a liberalização de serviços como de bens. Desses, 419 estavam em vigor.

 

Nesse mesmo período, o Brasil enterrou a Aliança de Livre­Comércio das Américas (Alca), não conseguiu avançar o acordo com a União Europeia e patinou ao tentar estabelecer tratados comerciais com outros países emergentes. Mas o argumento é de que a estratégia recompensaria o País, uma vez que o acordo global que vinha sendo conduzido pela OMC ditaria as novas regras mundiais para a próxima geração e que seria a única capaz de reduzir os subsídios agrícolas dados pelos países ricos, que afetam a competitividade das exportações brasileiras pelo mundo.

 

A aposta na OMC, porém, não deu resultados e, 16 anos depois, não apenas o País não conseguiu acesso aos mercados das economias ricas para seus bens agrícolas como as regras para limitar as distorções ao comércio jamais foram implementadas de uma forma profunda.

 

Em um impasse desde 2000, a OMC foi marginalizada e hoje nem mesmo manifestações ocorrem nas portas do organismo. Já os governos se lançaram em acordos bilaterais e regionais para compensar o que, em Genebra, não iriam obter.

 

Aos membros da OMC, a diplomacia do presidente americano, Barack Obama, deixou claro há anos que não iria mais esperar. Hoje, o governo americano conta com 14 diferentes tratados comerciais e negocia com a Europa a criação da maior área de livre­comércio do mundo.

 

Nesse período, não foram apenas os europeus e americanos que fecharam acordos comerciais. Nas Américas, o México soma 13 tratados com parceiros de todo o mundo. Já o Chile, sem as amarras do Mercosul, conta com 26 acordos de livre­comércio. Mesmo o Canadá usou os tratados para tentar reduzir sua dependência em relação à economia dos EUA. No total, soma 17 tratados e ainda negocia outros seis. (O Estado de S. Paulo/Jamil Chade)