O Estado de S. Paulo
Os recentes escândalos da Lava Jato e do Panama Papers trouxeram à tona o debate sobre a corrupção nas empresas. Mas ela pode estar muito mais presente no dia a dia das companhias do que se imagina, inclusive na linha de frente da prestação de serviços.
Chamada de corrupção silenciosa, essa prática não está diretamente ligada ao desvio de dinheiro, mas a um comportamento complexo e difícil de se identificar e punir.
O conceito foi criado em 2010 pelo Banco Mundial para descrever a situação de países africanos, onde agentes públicos não cumpriam suas funções e pequenas falhas de conduta causavam grandes impactos no desenvolvimento. “O mais grave da corrupção silenciosa é que ela não tem impacto imediato, ela é de longo prazo”, alerta o economista Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB) e um dos estudiosos que formulou o conceito.
Em países que vivem sob corrupção, esse tipo mais discreto de atitude ilícita é maior quanto mais o governo intervém nas empresas, diz o professor. Mas a corrupção silenciosa não está restrita à relação com o agente público e pode acontecer entre companhias privadas.
“Imagine uma montadora de carros que está no coração da cadeia de produção. Aquilo dá um poder de fogo muito grande para o funcionário da montadora frente aos parceiros e fornecedores. Se ele não age corretamente, pode até mesmo inviabilizar uma operação”, explica Arbache. Quando o membro de uma empresa não cumpre todas as etapas necessárias de um trabalho, faz “corpo mole” a fim de obter benefícios ou oferece vantagens, ele pode não compreender tais atitudes como corrupção, mas é exatamente isso o que está fazendo.
Combate
Para o professor da Fundação Dom Cabral Dalton Sardenberg, dois problemas que podem gerar esse tipo de conduta são impunidade e a falta de motivação. Sardenberg acredita que, por ser difícil de identificar e punir a corrupção silenciosa, o trabalho dos líderes deve ser diário e centrado em uma palavrachave: engajamento. “As boas práticas de compliance aumentam em cerca de 20% a produtividade, e dentro delas deve haver o combate à corrupção silenciosa”.
Mas, como aponta a mais recente pesquisa sobre condutas de risco da Thomson Reuters, que será apresentada no Brasil nesta semana no 4.º Congresso Internacional de Compliance & Regulatory Summit, a definição de conduta de risco continua sendo um desafio para as companhias. De 260 empresas analisadas em todo o mundo, 64% não trabalham a concepção específica sobre risco. De acordo com José Leonélio, gerente da área de Gestão de Risco e Compliance da consultoria, o programa de integridade e a metodologia de conhecer parceiros e fornecedores mostrase essencial no combate a essas práticas. “Você tem de garantir que quem age em seu nome ou quem faz negócios com você trabalhe de forma ética”.
A organização não governamental Transparência Internacional avalia que as empresas dos países emergentes têm avançado na luta contra a corrupção, mas ainda há muito que melhorar, principalmente nas companhias globais. Para Susan CoteFreeman, gerente do Programa de Integridade de Negócios da ONG, as empresas devem compreender que os compromissos vão além dos seus muros.
“Acreditamos que as empresas limpas e transparentes são responsáveis por seus stakeholders e também pelos cidadãos dos lugares onde operam”, afirma. (O Estado de S. Paulo/Jéssica Alves e Raquel Brandão)