O Estado de S. Paulo
Com as famílias endividadas e o fantasma do desemprego rondando a economia, o consumo – que já foi o motor de crescimento do País – deve chegar ao fim deste ano no mesmo nível de 2010, se descontada a inflação. A expectativa para 2016 é que o total de gastos dos brasileiros com produtos e serviços chegue a R$ 3,88 trilhões, segundo projeções da IPC Marketing – seis anos atrás, em números reais, era de R$ 3,87 trilhões. Em 2014, essa cifra chegou a R$ 4,3 trilhões.
“A queda que houve em 2015 e a que é esperada para este ano anulam o crescimento que ocorreu entre 2011 e 2014”, diz Marcos Pazzini, responsável pelo estudo e diretor da consultoria. Pelos cálculos da IPC, a perda de consumo real acumulada nesse período – ou seja, o que o brasileiro deixou de comprar, já levando em conta a queda esperada para 2016 – chega a R$ 1,6 trilhão, ou US$ 470 bilhões. Esse número é superior ao PIB da Colômbia em 2014 (US$ 377 bilhões) e fica pouco abaixo do PIB da Argentina também em 2014 (US$ 537 bilhões).
O consumidor, na prática, vê isso no dia a dia. O carrinho de supermercado não é mais o mesmo, o plano de trocar de carro ou de comprar um imóvel foi adiado, as férias no exterior voltaram a ser uma meta de longo prazo. “Uma das diferenças dessa crise é que, agora, o brasileiro tem uma sensação de perda muito maior”, diz Renato Meirelles, do instituto Data Popular.
Por quatro anos consecutivos, de 2011 a 2014, a taxa de crescimento do consumo das famílias superou o desempenho do PIB. No ano passado, pela primeira vez, o consumo caiu 4% e superou a retração do PIB, de 3,8%. Para este ano, a projeção é de uma queda de 3,3% no consumo, enquanto a retração do PIB é prevista em 3,5%.
Gastos
Dependendo de como os números são olhados, o desempenho do consumo pode ser ainda pior. Para 16 de 22 categorias de produtos analisadas, o consumo é ainda mais baixo que o nível de 2010. Entre elas, estão despesas com vestuário, recreação e cultura, mensalidades escolares, alimentação no domicílio e gastos com viagens.
O que aconteceu no setor automotivo é emblemático para entender esse processo de ascensão e queda do consumo, diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados. “O governo não entendeu que a demanda começou a cair e continuou estimulando a capacidade de produção”, diz. Hoje, as montadoras estão preparadas para produzir 5 milhões de unidades por ano, mas fazem apenas 2 milhões. No setor, as estimativas são de que se leve pelo menos uma década para retomar os níveis recordes de venda.
Em quanto tempo o mercado consumidor como um todo vai se recuperar é uma previsão que os economistas ainda não conseguem fazer. “As famílias estão muito endividadas. Primeiro, terão de pagar suas contas para depois voltar a consumir”, diz Zeina Latif, economista chefe da XP Investimentos. “Será uma recuperação lenta”.
O caminho, dizem os economistas, pode ser mais curto do que se imagina se a equipe do presidente em exercício Michel Temer conseguir, como vem dizendo, retomar a confiança do mercado.
“Esse é um fator que não é possível medir, mas pode ser um acelerador”, diz Adriano Pitoli, da consultoria Tendências. Essa, diz ele, é uma forma de subir o abismo de elevador e recuperar parte do mercado consumidor com certa agilidade. Os últimos andares, no entanto, só dá para subir de escada e os degraus não facilitam. “É preciso estabilizar a economia, fazer o ajuste fiscal, reduzir taxa de juros, controlar a inflação, não tem outra saída”. (O Estado de S. Paulo/Márcia de Chiara e Naiana Oscar)