O Estado de S. Paulo/The New York Times
O presidente da Volkswagen, Martin Winterkorn, subiu ao palco quatro anos atrás na nova instalação da montadora em Chattanooga, no Tennessee, para apresentar uma ousada estratégia. Ele disse que a empresa queria triplicar as vendas nos Estados Unidos em uma década – colocandoa no rumo para superar a Toyota e se tornar a maior fabricante de carros do mundo. “Até 2018, queremos levar o grupo ao topo da indústria global”, disse, na inauguração da primeira fábrica americana da Volkswagen em décadas.
Para atingir a meta, a Volkswagen apostava em carros a diesel – em vez de veículos híbridos elétricos, como o Prius, da Toyota –, prometendo alto rendimento e baixas emissões. A ambição desenfreada da Volkswagen se tornou peça central para um dos maiores escândalos corporativos recentes.
Na terça feira, a Volkswagen admitiu ter instalado um software em 11 milhões de carros movidos a diesel que enganavam testes de emissão, permitindo que os veículos soltassem muito mais poluentes do que o permitido pela legislação. Cerca de 500 mil desses carros foram vendidos nos EUA, incluindo os saídos da linha de montagem de Chattanooga.
O desligamento dos controles de emissões trouxe vantagens, incluindo um rendimento melhor – um dos principais argumentos da Volkswagen na sua tentativa de dominar o mercado americano.
A admissão levou à renúncia de Winterkorn. Vários executivos foram demitidos, incluindo dois dos principais encarregados de pesquisa e desenvolvimento. As ações da Volkswagen caíram 34% na semana passada e a empresa pode levar multas de até US$ 18 bilhões aplicadas pela Agência de Proteção Ambiental (EPA).
A atual crise tem raízes em decisões tomadas há quase dez anos. Em 2007, a empresa abandonou uma tecnologia de controle de poluentes desenvolvida por Mercedes e Bosch, usando em vez disso uma tecnologia interna. Na mesma época, a determinação de Winterkorn em ultrapassar a Toyota trouxe para os administradores de nível intermediário uma enorme pressão para produzir crescimento nos EUA.
Para aumentar a participação no mercado, a Volkswagen, que também fabrica carros da Audi e da Porsche, teria de construir os carros maiores que os americanos preferem. Mas a empresa também seria obrigada a atender às regulamentações mais rigorosas do governo Obama envolvendo o rendimento. Todas as montadoras desenvolveram estratégias para satisfazer às novas regras de rendimento, e o diesel era parte importante do plano da Volkswagen. No entanto, embora o motor a diesel ofereça melhor rendimento, ele também emite mais poluentes.
Trapaça. Enquanto trapaceava nos bastidores, a Volkswagen apresentava uma imagem pública virtuosa. A empresa usou o Super Bowl, um dos maiores espaços da publicidade mundial, para exibir um anúncio em que seus engenheiros tinham asas de anjo. Agora, o escândalo abala a imagem da montadora, vista por um longo tempo como símbolo de eficiência da engenharia alemã.
Mas este não é o primeiro caso de problemas da marca com o meio ambiente. Quando os EUA começaram a controlar a emissão de poluentes nos escapamentos, nos anos 1970, a Volkswagen foi uma das primeiras empresas flagradas trapaceando. Na época, teve de pagar multa de US$ 120 mil por instalar nos veículos um dispositivo que desativava os sistemas de controle de poluentes de um veículo.
Em 2007, um conhecido executivo da Volkswagen, Wolfgang Bernhard, pediu demissão. A saída dele teve impacto não só na diretoria da empresa, mas também no que ocorria sob o capô dos carros. O executivo havia anunciado acordo para usar a tecnologia BlueTec, desenvolvida pela Mercedes e pela Bosch, nos carros da Volkswagen. O sistema era considerado eficaz, porém caro.
Alguns meses após a partida de Bernhard, o plano foi descartado. O especialista em diesel e diretor administrativo da Kelley Blue Book, Matt DeLorenzo, disse que na época a indústria não se surpreendeu com o abandono da BlueTec em favor de uma tecnologia própria.
O problema é que, como sempre ocorre em política, as exigências ambientais geralmente ficam mais restritas ao longo do tempo. Nos EUA, não foi diferente. De repente, a solução “caseira” pode não ter sido suficiente. “Talvez eles tenham chegado a essa situação gradualmente. Pensaram que pudessem consertar os erros, mas perceberam que não seria possível. E seguiram por um caminho sombrio”. (O Estado de S. Paulo/The New York Times/Com tradução de Augusto Calil)