O Estado de S. Paulo
Empresas brasileiras começam a intensificar ações de substituição de insumos importados pelos nacionais por causa da alta do dólar. A troca, ainda incipiente, tem sido forçada pela forte desvalorização do real, de 36,84% ao longo deste ano.
Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) já dá indícios dessa substituição. No segundo trimestre, a participação dos insumos importados utilizados pela indústria de transformação foi de 24,5% no acumulado em 12 meses, uma queda ante o resultado do primeiro trimestre, de 24,8%.
“O movimento ainda é pequeno, mas essa troca é uma tendência e as empresas certamente vão tentar fazer essa substituição no futuro”, afirma Renato da Fonseca, diretor de pesquisa e competitividade da CNI.
Por ora, é difícil apontar onde o câmbio vai parar, mas a certeza entre os empresários e economistas é de que o novo patamar do dólar é irreversível. Os analistas consultados pelo Banco Central para a elaboração do boletim Focus esperam que o dólar encerre o ano cotado a R$ 3,50. Em 2016, a previsão é de que chegue a R$ 3,60. Nesta segundafeira, no entanto, a moeda americana já fechou em R$ 3,6330.
Os dados da balança comercial também dão algumas mostras dessa substituição por causa da forte queda da importação de produtos manufaturados, embora boa parte desse recuo seja atribuída ao mau momento da economia brasileira. Entre janeiro e julho, a compra de bens de capital pelo Brasil recuou 15,08% na comparação com o mesmo período do ano passado. A importação de bens de consumo caiu 13,53%, e a de matériasprimas e produtos intermediários diminuiu 15,45%. “Na balança comercial, esse cenário ainda é pequeno. Mas deve se intensificar até 2016”, afirma José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Troca. Além de insumos, o movimento de nacionalização ocorre com componentes e produtos acabados. A fabricante de autopeças ElringKlinger pretende reduzir de 50% para 30% o total de matériasprimas e componentes importados usados em sua produção em até um ano e meio. Neste ano, cerca de 10 a 12 itens já foram nacionalizados, entre os quais incertos de latão (espécie de porca de peça que envolve motores), que vinham da Tailândia, e peças em espuma, antes compradas na Alemanha.
“Antes, esses itens eram entre 15% a 20% mais baratos lá fora, mas agora, com a alta do dólar, é mais vantajoso comprar aqui, mesmo com os custos em reais subindo, por exemplo, com a conta de energia elétrica”, diz o presidente da ElringKlinger, Fernando Petrolino.
Além do preço mais em conta, o executivo ressalta a economia com a logística, o transporte e o armazenamento. Em 2015, as compras externas da empresa já caíram 10% em relação a 2014. Até o ano passado, 60% das matériasprimas e peças usadas na produção vinham de fora.
Outro movimento registrado pela empresa, que tem fábrica em Piracicaba (SP), é o interesse de clientes, especialmente montadoras, de também comprar localmente itens hoje importados. “Estamos sendo procurados por clientes para localizar peças que eles importam, como juntas de cabeçote”, diz Petrolino. Em razão desse projeto, a empresa estuda ampliar o número de empregados, hoje em 320.
Os planos de nacionalização do grupo Fiat Chrysler para a fábrica da Jeep, inaugurada em abril em Goiana (PE), também estão sendo acelerados em razão da disparada cambial. O diretor de compras da companhia, Antonio Filosa, contabiliza cerca de 200 itens a serem Indústria começa a substituir insumos importados produzidos localmente até 2017. “Sem dúvida, o dólar é um acelerador”, diz o executivo. Mas ele ressalta que a qualidade do produto será uma obsessão nesse processo.
Hoje, cerca de 35% dos itens usados na produção do utilitário Renegade vêm da Europa e da Ásia, mas a ideia é reduzir essa fatia para 18% a 20%. Filosa lembra que o dólar, nos últimos nove meses, subiu mais de 50% em relação ao real, e o euro seguiu a mesma tendência. “Isso pesa muito nas contas econômicas e na competitividade”, diz.
Sem repasse
Osias Galantine, diretor de compras da CNH Industrial América Latina, diz que a exposição à desvalorização do real tem sido um “desastre” para o grupo, que tem sob seu guardachuva as montadoras de caminhões Iveco e de equipamentos agrícolas CNH. “Está todo mundo sofrendo, principalmente porque o mercado não absorve repasse de preços”.
A empresa já trabalhava com um programa de nacionalização que inclui a construção de um parque com cerca de 20 fornecedores ao lado da fábrica da Iveco, em Sete Lagoas (MG), mas nos últimos meses intensificou esforços para reduzir as importações. “Temos um investimento de mais de US$ 100 milhões em projetos de produção local de peças”, diz Galantine. Na lista de itens estão peças plásticas e estampadas hoje adquiridas na Europa, EUA e Ásia. Antes da forte desvalorização cambial, esses componentes eram adquiridos a preços até 25% inferiores aos nacionais.
“Com o dólar a R$ 3,30, já conseguimos um equilíbrio de preços”, diz o executivo. Somado ao custo menor com logística, a vantagem justifica os investimentos, afirma Galantine, que só vê um risco no processo: o de a inflação corroer esses ganhos.
Cerca de 25% a 30% dos itens utilizados na produção das empresas da CNH são importados atualmente, e o objetivo é reduzir esse conteúdo para 15% a 20%.
Setor têxtil
O setor têxtil se mobiliza para um evento nas próximas semanas que reunirá fabricantes e varejo para avaliar itens que podem sair da lista de importados e serem adquiridos localmente. O setor deve importar cerca de US$ 7 bilhões este ano, o equivalente a 13% do seu faturamento. A maior parte é de tecidos e roupas prontas trazidas da China, Bangladesh, Índia e Turquia.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Rafael Cervone, acredita que, no curto e médio prazos, pelo menos US$ 500 milhões do montante importado poderá ser nacionalizado. Segundo ele, já há um movimento de recuo das compras externas. “Houve forte desaceleração nos últimos meses em razão do câmbio, mas também do freio da economia”.
A fabricante de roupas infantis Brandili, com duas fábricas em Santa Catarina, já conseguiu neste ano reduzir a participação de peças importadas em seu negócio de 14% para 12%, e pretende chegar aos 10% até o próximo ano. “Já nacionalizamos a compra de alguns produtos prontos, como o jeans. Além disso, temos estudos para outras linhas que incluem produtos de sarja (calças e bermudas)”, informa Rogério Pieritz, gerente de Planejamento da empresa.
A Brandili pretende também importar matériasprimas ao invés de produtos prontos. A maior parte dos importados vestidos de tecido, jaquetas de microfibra e bermudas de sarja vem da China e de Bangladesh. Outra parcela vem do Paraguai, onde a empresa tem uma filial. O grupo também exporta para 26 países. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)