Folha de S. Paulo
A reação negativa do mercado à redução da meta fiscal, com dólar em alta e Bolsa em queda, levou a equipe econômica a deflagrar uma operação para tentar reverter o clima adverso ao Brasil entre economistas e investidores nacionais e estrangeiros.
Logo pela manhã de ontem, assessores dos ministérios do Planejamento e da Fazenda entraram em ação e começaram a ligar para economistas de bancos nacionais e estrangeiros com a mensagem de que a redução da meta não significa “afrouxamento nem abandono do ajuste fiscal”.
Ao final da tarde, já com o mercado no Brasil fechado, foi a vez de o Joaquim Levy (Fazenda) entrar em campo. Ele participou de uma conferência por telefone organizada pelo banco JPMorgan com economistas e investidores brasileiros e estrangeiros.
Na conferência, que teve mais de 1.400 participantes, Levy justificou a redução da meta diante do cenário de forte retração das receitas e frisou que ela não alterará de forma significativa a dinâmica da dívida do país.
Para ele, as agências de classificação de risco percebem que o país tem capacidade de lidar com os problemas com “vigor e realismo” necessários para garantir a retomada do crescimento.
“A beleza da economia brasileira é a capacidade de reagir e reagir rapidamente.” Em seus contatos, as equipes de Levy e Nelson Barbosa (Planejamento) buscavam ressaltar que o governo está sendo “transparente” e “realista”, evitando um “tom otimista” descolado da realidade.
Um dado era enfatizado nas conversas, que o governo, mesmo reduzindo a meta de superavit primário de 1,1% para 0,15%, fez um novo corte de despesas de R$ 8,6 bilhões, o que sinaliza, segundo os assessores, um “compromisso” com o reequilíbrio das contas públicas.
Dentro da estratégia de acalmar o mercado, Barbosa estará nesta sextafeira (24) em São Paulo para conversas com economistas de bancos e consultorias para explicar os ajustes no superavit.
Além de garantir que o Brasil segue comprometido com o ajuste fiscal, outra preocupação do governo era evitar que prosperasse a imagem de que Levy saiu derrotado na definição da nova meta.
O ministro da Fazenda passou as últimas semanas defendendo a importância de manter ou fazer a menor redução possível da meta. Neste ponto, perdeu a disputa, pois prevaleceu a posição do Barbosa, que defendia a redução imediata do superavit.
A presidente Dilma tomou a decisão na última terçafeira (21). Até então, ela pensava em bancar uma redução menor como defendia Levy. Mudou de ideia depois de ser apresentada aos dados de queda acentuada da receita.
Segundo assessores, a presidente não queria estar exposta a novos questionamentos, como os do TCU (Tribunal de Contas da União), de que o governo faz manobras em suas contas para melhorálas artificialmente.
Levy até tentou garantir uma meta maior propondo um corte mais forte de gastos e mais medidas de geração de receitas. Foi convencido, porém, de que as propostas não eram viáveis neste momento.
Entenda a nova meta fiscal
- O que é a meta fiscal
A poupança prometida pelo governo para controlar a dívida pública
- Por que ela foi cortada
A meta levava em conta estimativas feitas em 2014 para receita e gastos, mas a arrecadação está muito menor e as despesas subiram
- O corte era obrigatório?
Pela lei, a cada bimestre é preciso reavaliar a receita e ajustar as despesas para assegurar a poupança prometida. A reavaliação deve ser submetida ao Congresso
- Qual a consequência da meta menor?
O país não conseguirá economizar o suficiente para evitar que a dívida pública cresça. Normalmente, uma meta menor indica mais espaço para gastos do governo. Mas a equipe econômica anunciou que fará cortes extras de R$ 8,6 bi
- Como isso afeta o país?
No curto prazo, mais cortes afetam obras e serviços públicos. A atividade do país levará ainda mais tempo para se recuperar. A poupança menor do governo elevará a dívida pública.
- O que acontece se a dívida do Brasil aumenta?
Agências que avaliam a capacidade de pagamento de devedores reduzem as notas do Brasil, e os juros precisam subir para compensar um risco considerado maior.
- Por que o dólar subiu e a Bolsa caiu?
Porque cresce a dúvida sobre a capacidade de recuperação da economia do país. Como os juros devem subir, haverá menos investimentos. Além disso, se a nota do país cair, grandes fundos internacionais ficarão impedidos de investir aqui e tirarão dólares. A procura maior que a oferta faz a cotação da moeda subir. (Folha de S. Paulo/Valdo Cruz e Isabel Versiani)