Obstáculos aos negócios no Irã vão muito além das sanções políticas

The Wall Street Journal

 

O acordo fechado ontem entre o Ocidente e o Irã abre o caminho para novo investimento estrangeiro e a reabertura de um grande mercado consumidor ­ em particular, para as empresas dos Estados Unidos que praticamente foram impedidas de fazer negócios no país durante décadas. Em meio a uma détente que começou a sério no ano passado, as empresas ocidentais já começaram a explorar o potencial do mercado.

 

Mas apesar da euforia sobre o fim das sanções, o Irã continua sendo um país difícil, onde a Apple Inc. não vende o iPhone, a gigante petrolífera Eni SpA tem brigado sobre gastos passados e a Boeing Co. não conseguiu vender peças de reposição por causa de divergências sobre os preços.

 

A República Islâmica tem uma persistente e merecida reputação de ser um lugar complicado para empresas de fora fazer negócios. Mesmo com o acordo fechado ontem, as companhias ocidentais em busca de novos mercados vão encontrar um país que ocupa a humilde 130a posição na lista do Banco Mundial de lugares com maior facilidade para se fazer negócios, e um lugar onde a burocracia, a corrupção episódica e a interferência política são encontradas há tempos.

 

“Este é um mercado sobre o qual você terá de fazer muito trabalho de preparação”, diz Peter Harrell, um ex-vice-secretário de finanças para sanções e combate de ameaças do Departamento de Estado dos EUA.

 

Autoridades iranianas dizem que estão tentando resolver essas questões na esperança de que as empresas vejam o país como um enorme mercado potencial e não uma dor de cabeça jurídica e regulatória. Termos de contratos de petróleo que permitam um lucro maior estão sendo elaborados e esforços para elevar a transparência e combater a corrupção estão sendo adotados, dizem.

 

“Nós queremos menos burocracia”, disse ao The Wall Street Journal Mehdi Hosseini, um dos principais conselheiros do Ministério do Petróleo do Irã.

 

No papel, o fascínio do país é inegável. Seus quase 80 milhões de habitantes ­ 60% dos quais com menos de 30 anos de idade ­, já têm uma afinidade com marcas ocidentais, especialmente as americanas, como Coca­ Cola e Chevrolet. Algumas lojas em áreas urbanas afluentes, particularmente em Teerã, estão abastecidas com todo tipo de produto fabricado no Ocidente, de óculos de sol a jeans de grife e computadores.

 

Seus habitantes também são altamente conectados. A penetração da internet é de 53% da população, e em Teerã ela alcança 77%, segundo dados do governo. Cerca de 11 milhões de iranianos têm acesso móvel à internet. Muitos dos empresários mais experientes do país, ou seus pais, foram educados nos EUA e ainda apreciam a engenharia americana.

 

O mercado do Irã para produtos e serviços de tecnologia movimenta cerca de US$ 4 bilhões por ano, estima a Forrester Research. Se as sanções forem suspensas, o analista Andrew Bartels prevê que o mercado poderia crescer para US$ 16 bilhões por ano, aproximadamente comparável ao da Arábia Saudita.

No geral, o consumo deve alcançar US$ 176,4 bilhões este ano, segundo projeções, com a renda disponível chegando a US$ 287 bilhões, de acordo com a firma de pesquisa Euromonitor.

 

Algumas das maiores empresas mundiais ­ da gigante do petróleo Chevron Corp. à especialista em redes Cisco Systems Inc. e o conglomerado industrial General Electric Co. ­ estão analisando como o acordo afetaria sua capacidade de fazer negócios no Irã.

 

A GE já distribui equipamentos médicos, como aparelhos de ressonância magnética e tomografia computadorizada no Irã, graças a isenções humanitárias às sanções atuais. A GE opera “em plena conformidade com as leis que regem as sanções”, disse um porta­voz em um e­mail ontem. “Estamos interessados em revisar os detalhes do acordo alcançado e observar o panorama regulatório que pode surgir”.

 

As restrições não deixarão de existir imediatamente. As empresas americanas e europeias só poderão agir depois que o Irã coloque o acordo em vigor. Isso estabelecerá um prazo para o levantamento real das sanções, que pode se estender até o fim do ano, ou mais, dizem os analistas.

 

O acordo também prevê um retorno das sanções caso o Irã não cumpra todos os seus termos. George Booth, um sócio do escritório de advocacia Pinsent Masons LLP especializado em petróleo e gás, diz que as empresas estrangeiras, em particular as do setor de energia, devem “controlar o entusiasmo até que a complexa teia de sanções seja totalmente desfeita ao longo dos próximos meses”.

 

Além das sanções, os desafios enfrentados por empresas que tentam incursionar pelo mercado iraniano incluem barreiras culturais, legais e burocráticas.

 

A Apple Inc. estudou seriamente o mercado iraniano no ano passado para vender iPhones e outros produtos, disseram pessoas a par do assunto na época. Esses planos foram colocados em pausa, no entanto, em grande parte porque a empresa sentiu que as leis comerciais do Irã que regem “acordos de usuário” são demasiado restritivas, disseram as pessoas.

 

A Apple não quis comentar. A Boeing também enfrentou dificuldades no ano passado. A gigante aeroespacial tinha sido autorizada a vender peças de reposição de aeronaves para companhias aéreas iranianas, incluindo a estatal Iran Air, desde o início de 2014. Mas as negociações foram paralisadas, em grande parte porque Teerã considerou os preços muito altos, de acordo com pessoas a par do assunto.

 

A indústria de energia do Irã tem um longo histórico de frustrar as petrolíferas ocidentais. A italiana Eni tem problemas contratuais não resolvidos que ilustram os obstáculos que as empresas do setor podem enfrentar ao entrar no país.

 

Hosseini, o conselheiro do ministério do Petróleo, diz que a Eni afirma que o Irã deve a ela dinheiro relacionado a orçamentos estourados em projetos de petróleo e gás que ela operava antes das sanções. A soma contestada, que ele não quis especificar, decorre de acordos antigos que, diferentemente da maioria dos contratos de petróleo da empresa ao redor do mundo, não cobririam o excesso de custos.

 

A Eni não quis comentar. Seu diretor-presidente, Claudio Descalzi disse em junho que a empresa não voltaria ao Irã se os termos dos contratos forem os mesmos.

 

Modernizar o ambiente de negócios do Irã pode ser um processo lento. Embora tivesse relações empresariais e políticas com a Europa, a ideologia islâmica da liderança do Irã sempre manteve os países ocidentais a uma certa distância.

 

Empresas europeias estão em uma posição muito mais avançada em seu reengajamento com ex­parceiros comerciais iranianos e com o governo em Teerã. Muitas só deixaram o país em anos recentes, em meio a sanções europeias mais rígidas. Os exportadores europeus, graças a essa vantagem inicial, devem ser os primeiros a se beneficiar uma vez que o acordo entre em vigor.

 

O acordo “vai permitir um avanço significativo em nossas negociações atuais”, diz Jean­ Christophe Quémard, diretor para a África e Oriente Médio da francesa PSA Peugeot Citroën SA. A montadora está em negociações com uma parceira para recomeçar a fazer carros no Irá. O país era o segundo maior mercado da empresa antes de ela sair do país em 2012. (The Wall Street Journal/Benoît Faucon, Sarah Kent, Daniel Gilbert, Mike Esterl, Eric Sylvers and Ted Mann.)