José Carlos Almeida Godoy foi um dos muitos trabalhadores que migraram do campo para a indústria nos anos 1970. O chamado êxodo rural foi tão acelerado que só naquela década cerca de 30% da população rural se transferiu para o meio urbano em busca de mais oportunidades. José Carlos era um deles. A pequena Garça, na região centro-oeste do estado de São Paulo, sua cidade natal, se destacava na produção de café, de modo que todo jovem, quando chegava a hora de buscar o primeiro emprego, corria para uma de suas fazendas. Com 14 anos, José começou sua jornada nas propriedades Morganita e Adrianita, pertencentes ao Sr. Ronoel, um dos fazendeiros mais poderosos da região. Como já tinha algum estudo, sabia datilografar e era ligeiro nas contas foi direto para o escritório atuar na compra e venda de café. Um trabalho com algum status naqueles tempos, já que não era preciso se embrenhar no cafezal no árduo trabalho da colheita. Ele sempre trabalhou no escritório e sua maior regalia era quando o administrador da fazenda precisava fazer o trajeto entre a cidade e as fazendas e José Carlos ia junto, desfilando no Dodge Dart azul do patrão, o carro dos sonhos de toda uma geração.
Porém, as chances de progresso profissional no campo eram bastante remotas e com o apoio da família e a chegada da maioridade, José Carlos decidiu tentar a sorte e Jundiaí, que naquele ano de 1974, despontava como berço de muitas indústrias. Não demorou para conseguir uma vaga na Hoffmann Bosworth Engenharia e logo depois na antiga Sifco, onde entrou como auxiliar de programação. O momento mais tenso do processo de seleção foi o teste de datilografia e nisso José Carlos era fera. Sua rotina era escrever à máquina, uma a uma, as ordens de produção, que depois eram replicadas pelo processo de estêncil e distribuídas aos setores envolvidos. Isso na parte da manhã. O período da tarde era reservado ao controle de estoque. Fichas preenchidas manualmente detalhavam o perfil de engrenagens, virabrequins, bielas e outros itens para que a produção fosse abastecida corretamente de cada insumo. Depois de 10 anos colecionando informação sobre o tipo, a bitola e o material de cada peça, José Carlos já tinha na cabeça um repertório completo de tudo que era fabricado na empresa.
Vieram os anos 1990 e com eles, o processo de digitalização, que tornaria a operação de controle da matéria-prima muito mais preciso e rápido. As fichas viraram telas na linguagem DBase, que José Carlos aprendeu a manusear rapidamente. A informática deu um impulso definitivo à carreira dele: “Fez a gente usar a cabeça. Controlar o estoque passou a ser muito mais fácil, já que o computador calculava entradas e saídas e dava necessidade líquida do era preciso comprar”, lembra ele.
Apesar de acompanhar par e passo a evolução da tecnologia e de ter conquistado projeção dentro da empresa, negociando os pedidos com grandes fornecedores como Acesita, Mannesmann, Piratini e outros, José Carlos foi surpreendido com o anúncio de sua demissão, em 2003. Foi um baque, justificado pela empresa como necessidade de corte de custos. Como o mercado oscilava muito, demissões eram de certa forma rotineiras.
Mas a verdade é que ele fez falta. Com sua saída, o estoque ficou desbalanceado o que gerava problemas de fluxo de caixa e prejuízos para a empresa. Em questão de poucos meses, foi chamado de volta. Levou três meses para colocar em ordem toda a confusão, que incluía, por exemplo, 12 mil toneladas de aço compradas, um desembolso de caixa desnecessário e oneroso. A partir daí viveu um período de muitas conquistas. Venceu a timidez para frequentar reuniões de trabalhos com altos executivos de vários fornecedores, negociando para garantir suprimentos na hora, na quantidade e do jeito que a produção demandava. Ganhou dois troféus nos programa de melhoria contínua e teve seu esforço e dedicação reconhecidos.
Em 2013 escutou os primeiros boatos da venda das operações de Campinas e Jundiaí para a Dana. Logo executivos da Dana já estavam pela fábrica de Jundiaí para entender como a operação funcionava por dentro. José Carlos foi designado para treinar um funcionário da Dana na sua função e ali ele já percebeu que seu ciclo na empresa estava próximo do fim, o que ele encarou com naturalidade: “Não tenho nenhum tipo de mágoa, entendi que a empresa estava em um outro momento e eu fui muito feliz ali. Na empresa me casei, criei meus dois filhos e fiz minhas economias para ter uma aposentadoria tranquila”.
Em 2015, já aposentado pelo INSS, José Carlos deixou a empresa e hoje mata as saudades nos encontros com a turma de veteranos. Além das palestras e outras atividades promovidas pela Dana para seus aposentados, ele participa de um grupo de whatsapp onde a troca de ideias e convites para happy hours pipocam toda hora.
Depois de 41 anos de bons serviços prestados, mantém uma rotina tranquila, ao lado da mulher Sônia e dos filhos, Érico, um advogado de 45 anos, e Caio, 41, o engenheiro de materiais que seguiu os passos do pai e passou por várias indústrias de Jundiaí até se estabelecer. Procura praticar alguma atividade física diariamente, cuida da boa alimentação e o que mais curte é ver a família reunida e ter companhia dos netos Benjamin, de oito anos e Gabriel de quatro.