Infraestrutura de recarga é entrave para o crescimento da frota de ônibus elétricos

O Estado de S. Paulo 

 

É impossível falar de transição energética no Brasil sem destacar a indústria do ônibus elétrico para a plena implantação da eletromobilidade no País. Em maio, o governo federal reconheceu a importância do setor e anunciou a liberação de recursos de R$ 7,2 bilhões para aquisição de cerca de 2.400 veículos movidos a bateria usados no transporte coletivo.

 

Moderado por Virgínia Tavares, coordenadora de eletromobilidade da World Resources Institute (WRI Brasil), o painel “A indústria do ônibus elétrico” celebrou a iniciativa, que compõe o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do Refrota, o programa de renovação da frota nacional.

 

“É uma ótima notícia”, celebra Flávio Pimenta, gerente da unidade de negócios da mobilidade da Nansen, fabricante de equipamentos para o setor elétrico e que entrou no universo da mobilidade há cinco anos. “Isso conduz as empresas a criarem um cenário mais seguro de atuação no País.”

 

Outras aplicações

 

Para ele, uma das etapas mais difíceis para a eletrificação das frotas é o investimento inicial das operadoras. Assim, a medida do governo poderá trazer novo fôlego para as empresas e cidades dispostas a utilizar ônibus elétricos em suas atividades.

 

“Mas a eletrificação vai além da compra dos veículos. A implantação de infraestrutura de recarga também custa caro e exige planejamento antecipado”, afirma Pimenta.

 

Foi o que ocorreu com projetos executados pela Nansen em São José dos Campos (SP) para a circulação de ônibus da chinesa BYD e em Salvador (BA), com a instalação de pontos de recarga para atender 20 veículos ao mesmo tempo.

 

Com a experiência de 75 anos de vida e a exportação para mais de 120 países, a fabricante Marcopolo se empenha em oferecer soluções viáveis na rota da descarbonização.

 

“Desde 2010, estudamos outras aplicações para reduzir as emissões dos ônibus, como o sistema de propulsão híbrida e o uso de biometano e biogás”, revela Renato Machado Florence, gerente de engenharia de planejamento e desenvolvimento da Marcopolo. “Há outros modelos de negócio que podem muito bem se unir aos motores elétricos.”

 

Florence diz que além do constante investimento em engenharia, a Marcopolo abriu as portas para receber ideias das universidades. “São ações que nos ajudaram a criar parcerias com operadores de Santiago (Chile) e Bogotá (Colômbia)”, acrescenta.

 

Cenário Europeu

 

O painel contou com um depoimento internacional. Pedro Barradas, presidente da ITS Portugal, associação para o desenvolvimento da mobilidade, testemunha como a eletrificação da frota de ônibus vem mudando o comportamento dos usuários europeus.

 

“Entre tomar um ônibus movido a diesel e outro elétrico, o passageiro prefere aguardar para se deslocar com o elétrico, que é muito mais confortável”, relata. “A qualidade de vida virou peça chave quando o assunto é sustentabilidade.”

 

Barradas ressalta que em Portugal há uma clara orientação política em favor da descarbonização e a indústria está se preparando para zerar as emissões até 2050. “Essa revolução está apoiada nas transições energética e digital”, diz.

 

No entender de Flávio Pimenta, um dos obstáculos para a composição mais acelerada da frota de ônibus elétricos é o espaço das garagens das empresas para a implementação de infraestrutura de recarga.

 

“Sempre é preciso fazer intervenções para colocar em prática um projeto de, por exemplo, 15 carregadores. Isso exige planejamento prévio de seis a oito meses para avaliar o local com a concessionária que fornece a energia”, afirma.

 

Florence, por sua vez, destaca que a decisão de inserir ônibus elétricos no transporte coletivo requer treinamento de motoristas, qualificação de profissionais da manutenção e análises no desenvolvimento dos veículos.

 

“A Marcopolo já tem a solução de ônibus com piso completamente baixo, o que facilitaria a entrada e a saída dos passageiros. No entanto, as ruas brasileiras não estão preparadas, e a traseira rasparia sempre o solo, causando danos ao veículo. Essa questão envolve também o Poder Público, de cuidar das vias”, conta.

 

Além do estado de conservação das ruas, Pimenta vê outra dificuldade que pode prejudicar a disseminação dos ônibus elétricos no País: a distribuição de energia.

 

“Em algumas regiões do Brasil, 75% dos transformadores estão sobrecarregados. As empresas precisam sentir segurança de que não esbarrariam em problemas de fornecimento de energia para recarregar seus veículos”, completa. (O Estado de S. Paulo/Mário Sérgio Venditti)