O Estado de S. Paulo
O programa Nova Indústria Brasil, lançado no início deste ano, é a grande aposta do governo Lula para reverter o processo de desindustrialização que afeta a economia brasileira nas últimas décadas. Depois de alcançar mais de 21% nos anos 1980, a participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) caiu para algo em torno de 10% em 2023, segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Focada em inovação, modernização e transição energética, a nova política tem potencial para inverter esse movimento, desde que as propostas sejam implementadas conforme descritas no programa. “Trata-se de uma política pública moderna, que redefine escolhas para o desenvolvimento sustentável, com mais investimento, produtividade, exportação, inovação e empregos, por meio da neoindustrialização”, disse o vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria, Léo de Castro. Hoje, na comemoração do Dia da Indústria, o que setor pede é celeridade na adoção dessa nova agenda.
Por mais que o Brasil tenha tentado estratégias semelhantes – e as condições em relação ao século passado, principalmente, serem outras –, e o mundo ter se voltado para a inovação atrelada à economia de baixo carbono até antes da pandemia, a questão agora é saber como acelerar processos e evitar os erros do passado.
“Essa retomada da política industrial no Brasil ocorre, na verdade, com atraso, mesmo quando comparada com países da América Latina e outras nações em desenvolvimento. O mundo mudou muito em relação aos anos 90 e à forma como os países usam suas políticas, por exemplo, no comércio internacional. O exemplo mais categórico disso são os Estados Unidos com o plano Biden”, afirma o economista Marco Antônio Rocha, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo o pesquisador, desde pelo menos 2012, o planeta, e principalmente os países desenvolvidos, já definiu os alicerces da chamada indústria 4.0.
Agilidade
Além de chegar atrasado ao “baile” da inovação industrial – e os próprios dirigentes da CNI cobraram, nas últimas semanas, mais celeridade na implantação do Nova Indústria Brasil –, é preciso que os gestores fujam do que não deu certo no passado, segundo o economista Armando Castelar, professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador associado do FGV IBRE. “O mais importante para que esse novo plano para o setor não volte a fracassar é entender que simplesmente proteger as empresas de baixa produtividade não vai tornar o setor mais competitivo a médio prazo.” A vocação de uma política industrial, segundo o pesquisador, deve ser exatamente o contrário.
“A principal causa da perda de participação da indústria de transformação no PIB é seu fraco desempenho em termos de produtividade: essa tem, de fato, caído”, diz Castelar. Segundo ele, os planos anteriores para o setor buscaram compensar isso com medidas de proteção contra importações mais baratas e competitivas, via barreiras às importações, exigências de conteúdo local e subsídios diversos, em especial via financiamento público com juros reais muito baixos ou mesmo negativos. “Essas medidas buscavam compensar a baixa produtividade, mas não aumentá-la”, avalia Castelar.
Mergulhar profundamente nas águas da inovação é uma das premissas essenciais para que as empresas brasileiras consigam ganhar terreno na participação do PIB, segundo Rocha, da Unicamp. “A questão da incorporação da agenda climática na indústria, tão exigida hoje, por exemplo, não pode ser um mantra. É um esforço que depende da modificação da estrutura produtiva do País, do investimento em ciência, tecnologia e inovação, itens que, historicamente, fazem parte de políticas nacionais”.
Se há um plano sobre a mesa com diretrizes modernas, e que aponta para setores industriais específicos (veja quadro), existem outros processos ainda mais delicados a serem atacados, segundo Rocha. “Para tudo o que vem sendo construído funcionar precisa, primeiro, de uma coordenação muito bem articulada das ações transversais relacionadas às compras públicas e ao fomento industrial e de inovação. O PAC deve dialogar muito bem com os esforços previstos na política relacionados, por exemplo, ao desenvolvimento de tecnologias para cidades resilientes, como as infraestruturas verdes. A segunda questão, e que mais me preocupa, é a capacidade fiscal do Estado. O fluxo de recursos, nesses casos, precisa ser estável.”
Investimentos
Sobre essas camadas mais elementares de uma política industrial existem outras igualmente importantes. A exacerbada competição internacional exige que investimentos vultosos sejam feitos, tanto do lado do governo quanto do lado privado. Sob pena de os setores nacionais ficarem pendurados apenas nos subsídios, sem terem resultados positivos para apresentar.
“Essa questão de atingir a competitividade internacional é um pouco mais complicada. Precisamos dobrar o nosso investimento em infraestrutura e dobrar os recursos em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. Isso apenas para atingirmos o benchmark”, afirma o pesquisador do Unicamp. Chegar a esse patamar, segundo os dados internacionais, significa ficar, ainda, atrás de países que estão no topo da inovação tecnológica global, caso de Estados Unidos, China, Alemanha e Coreia do Sul. (O Estado de S. Paulo/Eduardo Geraque)