Sem citar fim de combustível fóssil, COP tem acordo para uma ‘transição’

O Estado de S. Paulo

 

Representantes de quase 200 países aprovaram ontem o documento final da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-28), em Dubai, que cita a “transição” dos combustíveis fósseis, em um consenso considerado histórico para as conferências contra o aquecimento global. O texto traz linguagem mais forte do que a versão anterior, mas não menciona diretamente a eliminação desses poluentes (principalmente carvão, petróleo e gás natural), como reivindicavam dezenas de países.

 

A redação anterior havia contrariado muitas das delegações, incluindo o Brasil, ao evitar compromissos mais incisivos na busca por fontes limpas de energia. O novo documento evitou incluir a expressão “eliminação gradual” (phase out) dos combustíveis fósseis, mas pela 1.ª vez em um documento desse tipo cita a “transição” dos combustíveis fósseis.

 

Os esforços, diz o texto, devem ser coordenados de forma que o mundo elimine as emissões de gases de efeito estufa até 2050, com urgência adicional na redução nesta década. Para isso, também surge a meta de triplicar a capacidade energética renovável até 2030.

 

As sessões entre os negociadores climáticos ocorreram até a madrugada. O presidente desta COP, sultão Al Jaber, chamou o acordo de “histórico”. Cientistas, porém, têm alertado que os compromissos assumidos pelos países são insuficientes diante da urgência da crise climática, que em 2023 se intensificou com ondas de calor, incêndios, tempestades e ciclones em vários pontos do planeta, incluindo o Brasil.

 

Resistência

 

Os líderes da União Europeia e de muitas das nações mais vulneráveis ao aquecimento global apelavam para incluir a expressão “eliminação gradual” de petróleo e similares. Mas essa proposta enfrentou intensa resistência por parte de grandes exportadores de petróleo, como

 

Arábia Saudita e Iraque, além de economias em crescimento rápido, como a Índia e a Nigéria. “Aos que se opuseram a uma referência clara a uma eliminação progressiva dos combustíveis fósseis no texto da COP, quero dizer que, gostem ou não, é inevitável. Vamos esperar que não chegue tarde demais”, alertou António Guterres, secretário-geral da ONU.

 

O fato de a conferência ter sido nos Emirados Árabes Unidos, um dos maiores exportadores de petróleo, foi alvo de críticas desde a escolha da sede. Esta COP reuniu o maior número de participantes que representavam interesses da indústria do petróleo em três décadas de cúpulas.

 

Na maioria das economias desenvolvidas ou emergentes, a emissão de gases de efeito estufa oriundos da queima de petróleo ou carvão é o principal causador do aquecimento global. No Brasil, a maior parte das emissões vem do desmate da Amazônia, atividade predominantemente ilegal, sem benefícios para o PIB.

 

Brasil

 

A posição do Brasil sobre o petróleo, porém, trouxe constrangimento para a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A hesitação do governo sobre os planos de exploração de petróleo na Margem Equatorial do Rio Amazonas foram uma sombra sobre as pretensões de Lula de ser uma liderança na agenda climática. Em Dubai, causou estranheza o fato de o Brasil ter entrado na Opep+, grupo que reúne os principais produtores de petróleo e países aliados. O governo disse que aproveitará a participação na entidade para convencer integrantes a reduzirem o consumo de combustíveis fósseis. Para o texto final, a defesa da delegação brasileira era fixar compromissos diferentes segundo o nível de desenvolvimento dos países, com metas mais ousadas para os ricos.

 

Em discurso final na plenária da COP-28, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, disse que o texto final aprovado é um “acordo basilar” e que os compromissos assumidos são “incontornáveis”. Mas frisou que deve haver diferenciação entre países ricos e pobres. “A nossa próxima tarefa é alinhar os meios de implementação necessários, assegurando a fundamental premissa da transição justa. Assim, é fundamental que os países desenvolvidos tomem a dianteira da transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis e assegurem os meios necessários para os países em desenvolvimento poderem implementar suas ações de mitigação e adaptação.”

 

Destacou ainda a importância do texto para alcançar a meta de manter a temperatura global até 1,5°C em comparação com os níveis pré-industriais. “O desafio de concretizarmos a ‘Missão 1,5’ depende do esforço de todos, e principalmente do comprometimento de todos em alinhar suas próximas NDCs a este objetivo.”

 

Em 2025, durante a COP-30, no Brasil, os países apresentarão suas novas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), que fixam os limites de emissões de gases do efeito estufa a fim de alcançar a meta de 1,5°C na temperatura global. (O Estado de S. Paulo/Paula Ferreira)