O Estado de S. Paulo/Mobilidade
A eletrificação da mobilidade é uma das tendências mais importantes para aumentar a sustentabilidade nas grandes cidades. Em São Paulo, a expectativa é de que esse movimento ganhe forte impulso nos próximos anos. As concessionárias de transporte coletivo já encomendaram aos fabricantes 2.292 ônibus elétricos para cumprir a lei de outubro do ano passado que determina que pelo menos 20% da frota da capital paulista seja composta por veículos elétricos até o fim de 2024. É uma ação relevante do ponto de vista ambiental, já que 30% do total das emissões de gases de efeito estufa na cidade vem dos ônibus movidos a diesel.
Em meio ao processo de modernização da frota, a Prefeitura estuda a desativação dos tradicionais trólebus – um tipo de ônibus elétrico que, conectado à rede por hastes, está em funcionamento há mais de sete décadas na capital paulista. Para o prefeito Ricardo Nunes (MDB), esse sistema está tecnologicamente superado e tem a viabilidade comprometida pelos altos custos de manutenção, R$ 30 milhões por ano.
Muitos especialistas em mobilidade consideram, no entanto, que a desativação imediata dos trólebus não seria apropriada, pois se trata de um sistema já testado, com infraestrutura montada – uma rede de 168,4 km, composta por 201 veículos em dez linhas e utilizada por oito milhões de passageiros a cada mês. “Melhor seria entender como os custos de manutenção dos trólebus poderiam ser reduzidos”, diz o professor Max Filipe, da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Ele lembra que há dúvidas sobre a durabilidade e a destinação das baterias dos novos ônibus elétricos, cuja estratégia de descarte é ainda um problema em aberto. Além disso, a nova frota dependerá de uma infraestrutura que precisará ser instalada, com um detalhe logístico relevante – o tempo de reabastecimento saltará de 15 minutos num veículo a diesel para pelo menos três horas nos novos modelos elétricos, o que reduzirá o período disponível para circulação. Em meio a esse cenário de transição, desativar os trólebus poderá ser uma ação precipitada.
Aprendizados da pandemia
A ampliação dos ônibus elétricos na capital paulista é parte de um movimento que busca maior sustentabilidade na mobilidade urbana, tendência reforçada pelas mudanças práticas e comportamentais resultantes da pandemia de covid-19. Qualquer ajuste na estratégia de mobilidade tem sido facilitado pelo fato de que a intensidade do trânsito na cidade não voltou a ser a que era antes da crise sanitária.
De acordo com dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), o índice de lentidão nos 20 mil km de vias da cidade ficou 25% menor em agosto de 2023 do que o registrado no mesmo mês de 2019, antes da chegada da pandemia ao Brasil. Quando se considera a lentidão média de todo o ano de 2023, até agora, a queda é ainda maior em relação a 2019: 32%, de 481 km para 327 km. A queda se concentra especialmente nas segundas e sextas, dias mais impactados pela adoção do home office e das semanas híbridas entre trabalho presencial e remoto.
Apesar dessas estatísticas, o advogado André Garcia, especialista em Direito Ambiental, lamenta que os aprendizados decorrentes da pandemia não tenham gerado um turning point mais consistente nas políticas públicas de mobilidade e nos hábitos da maior parte dos moradores das grandes cidades brasileiras. “Na medida em que a pandemia vai ficando no passado, as pessoas tendem a esquecer tudo o que foi vivido e voltam à rotina anterior”, ele descreve. Entre as medidas que poderiam ter sido impulsionadas com maior vigor, exemplifica o advogado, estão a criação de ruas peatonais (só para pedestres) e a ampliação das faixas de ciclovias, com estrutura mais segura para os usuários de bikes.
Um estudo divulgado em maio pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) estimou a necessidade de um investimento de R$ 295 bilhões em infraestrutura nas 15 principais regiões metropolitanas do Brasil, até 2042, para alcançar o padrão apresentado em referências da América Latina, como a Cidade do México, Santiago e Bogotá. “É importante ampliar o número de Parcerias Público-Privadas em um modelo que agrupe a construção do sistema, da operação e da manutenção, em contratos de concessão de duração relativamente longa, em torno de 30 anos”, avaliou o gerente executivo de Infraestrutura da CNI, Wagner Cardoso, durante o lançamento do estudo.
Apesar do avanço anunciado na frota de ônibus elétricos, o que a posicionará em patamares próximos a Bogotá (16,5% da frota) e Santiago (10,9%), a comparação entre regiões metropolitanas selecionadas do Brasil demonstra que São Paulo tem uma das menores proporções de viagens por transporte coletivo público. Recife se destaca pelo baixo índice de utilização de transporte individual motorizado (16,8%) e Curitiba, apesar da fama de capital avançada do ponto de vista urbanístico, tem quase metade dos deslocamentos realizada dessa forma (49%). (O Estado de S. Paulo/Mobilidade)