Ondas de calor aumentam uso global de combustíveis fósseis

O Estado de S. Paulo

 

Os combustíveis fósseis estão se dando bem com as ondas de calor recorde assolando os Estados Unidos, a China e outros países. Os EUA registraram recordes de consumo de gás natural nas usinas de energia que estão mantendo os ar-condicionados do país funcionando nos últimos dias, de acordo com estimativas da S&P Global Commodity Insights. Na China, as usinas de energia estão queimando mais carvão para dar conta da necessidade de eletricidade, ajudando a atingir recordes na demanda pela maior fonte mundial de emissões de dióxido de carbono, informou a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês).

 

Essa demanda está alimentando o que a IEA chama de “círculo vicioso”, que aumenta ainda mais as temperaturas mundiais. Conforme as ondas de calor se multiplicam e se intensificam, elas levam a uma maior demanda por combustíveis fósseis, o que aumenta as emissões de gás de efeito estufa que agravam o calor extremo em todo o planeta.

 

As redes elétricas do mundo continuam dependendo demais do gás e do carvão, dificultando os esforços da administração Biden e de outros governos para reduzir gradualmente a utilização deles. Apesar das promessas feitas para reduzir suas emissões, os governos enfrentam imperativos imediatos para evitar apagões e a disparada dos preços da energia para resfriar edifícios e proteger as pessoas de condições perigosas.

 

“A projeção de quanta energia você precisa é cada vez maior porque a necessidade de refrigeração só aumenta”, disse Jason Bordoff, fundador e diretor do Centro de Política Energética Global da Universidade Columbia. “Temos essas trágicas ironias em todo o cenário climático.”

 

O problema pode crescer à medida que as regiões pobres do planeta instalam mais sistemas de refrigeração. A IEA informou que apenas um décimo dos 2,8 bilhões de pessoas nas partes mais quentes do mundo têm arcondicionado, um potencial enorme para levar a um aumento na demanda por mais energia.

 

No ano passado, quase um quinto do aumento global das emissões de dióxido de carbono veio do aumento da demanda por energia durante condições climáticas extremas, disse a IEA. O relatório da agência sobre as emissões globais de dióxido de carbono concluiu que as ondas de calor de verão foram a principal razão pela qual os EUA e a China, os países com as maiores emissões do mundo, não reduziram suas emissões anuais. Nos EUA, o consumo de gás foi o culpado, tendo aumentado para refrigerar os edifícios conforme a demanda por eletricidade atingia o pico, disse a IEA.

 

Recorde de calor

 

A Organização Meteorológica Mundial declarou que julho foi o mês mais quente já registrado, e as tendências do ano passado estão reaparecendo, com maior intensidade. O clima mais quente do verão está atingindo partes dos EUA, com mais de 180 milhões de pessoas sob alerta devido às temperaturas altas do nordeste ao sudoeste desértico do país recentemente.

 

Na China, desde o final de maio o calor ajudou a provocar um aumento significativo na demanda por eletricidade gerada com a queima de carvão em várias regiões populosas na costa do país, de acordo com dados compilados por analistas do Goldman Sachs. Isso acontece depois de um ano em que Pequim aprovou dezenas de novas usinas de energia movidas a carvão. Enquanto isso, o presidente chinês Xi Jinping declarou recentemente que apenas Pequim decidirá como – e com que rapidez – o país lidará com as mudanças climáticas.

 

Segundo a IEA, a demanda chinesa de carvão cresceu mais de 5% durante o primeiro semestre do ano, alimentando o crescimento da demanda global. No primeiro semestre de 2023, a demanda mundial de carvão superou o recorde do ano passado em 1,5%. A agência disse que o uso de carvão provavelmente diminuirá até o final do ano, mas isso vai depender do clima.

 

“Se não aumentarmos a quantidade de energia limpa sendo gerada, isso continuará a acontecer e se agravará no futuro”, disse Robbie Orvis, diretor sênior de design de políticas energéticas do Energy Innovation, um think tank apartidário. “Os combustíveis fósseis não são a saída.”

 

Nos EUA, a dependência do gás natural se tornou o tema central dos debates políticos sobre as mudanças climáticas e a energia. Os conservadores e alguns políticos de centro são favoráveis ao gás porque o país tem reservas abundantes e sua queima produz cerca de metade das emissões do carvão, frequentemente substituído por ele. No entanto, os ativistas do clima mais contundentes alertam que o país está se aproximando do limite de benefícios que o sistema pode produzir e deve interromper os investimentos de longo prazo em gás que possam começar a impedi-lo de reduzir ainda mais as emissões.

 

Dependência

 

A dependência dos EUA do gás aumentou nos últimos 15 anos. Outrora utilizado principalmente para o aquecimento doméstico, seu uso foi ampliado rapidamente à medida que uma nova tecnologia – fracking, também conhecido como fraturamento hidráulico – reduziu os custos de sua produção no país e os reguladores estaduais e federais fecharam o cerco contra as emissões tóxicas das usinas movidas a carvão.

 

Como consequência, o consumo anual de gás nos EUA aumentou quase 50% entre 2006 e 2022, estabelecendo repetidamente recordes de produção e consumo, segundo os dados da Administração de Informações de Energia do país (EIA, na sigla em inglês). Durante praticamente o mesmo período, suas emissões de gases de efeito estufa caíram mais de 14%, de acordo com dados da Agência de Proteção Ambiental.

 

Em parte devido a essas tendências, alguns pesquisadores afirmam que – pelo menos nos EUA – o calor extremo é apenas um dilema de curto prazo, solucionável com a criação contínua de parques solares e eólicos com zero emissão em todo o mundo. Para Andrew Dessler, cientista da Universidade Texas A&M que estudou essas dinâmicas no Texas, as energias renováveis estão ajudando, porém fatores como o crescimento populacional e a riqueza influenciam mais as emissões do que o gás natural. (O Estado de S. Paulo)