O Estado de S. Paulo
O caminho do Brasil até a produção em massa de carros elétricos vai ser longo e gradual e deverá adentrar a próxima década. Até lá, o País deve cumprir metas de descarbonização com soluções locais, como veículos híbridos flex, que podem usar etanol. Caminhões e ônibus serão movimentados com gás, biodiesel e biometano, mas o segmento está mais avançado e já tem elétricos em produção.
Ainda assim, o País não deve ficar para trás no processo de descarbonização no transporte. Ao contrário, diz o CEO da Bright Consulting, Paulo Cardamone. “O Brasil pode ser um dos primeiros a atingir a meta de redução das emissões assumida na COP26 mesmo com porcentual pequeno de carros elétricos”.
Na Conferência do Clima das Nações Unidas (COP26), realizada em 2021, o governo brasileiro se comprometeu em reduzir à metade as emissões de gases do efeito estufa até 2030. Para Cardamone, o futuro será elétrico, mas o formato da transição será diferente de acordo com o país. O Brasil deve adaptar suas competências em combustíveis sustentáveis como etanol e biodiesel.
Estudo da Bright mostra que 7,4% das vendas de veículos no País em 2030 serão de modelos elétricos, enquanto a participação global será de 37,2%, puxada por China, Europa e EUA.
Masao Ukon, sócio diretor da consultoria BCG, ressalta que o mercado brasileiro já dá seus primeiros passos na eletrificação com a produção de caminhões e ônibus, mas concorda que o processo será gradual, principalmente no segmento de automóveis.
Ele lembra que carros híbridos, flex ou não, compartilham muitas tecnologias com os elétricos, como baterias, cabeamento e inversor de potência, o que permitirá a produção local de componentes e dos próprios veículos nos próximos anos. “O País tem tempo para se preparar.”
Veja as fases que o Brasil terá até o início da produção em série de carros elétricos e de quem é a responsabilidade pela implantação de medidas.
Apoio ao uso de etanol nos carros flex
- Campanha de esclarecimento sobre o benefício do etanol. Seu uso reduz em cerca de 60% as emissões de CO2 ante a gasolina. A ideia é usar postos de combustível com ações como programa de milhagem para quem abastece com etanol. Competência do governo e de montadoras
- Melhora da eficiência do etanol, hoje de 70% da gasolina, para aumentar o desempenho do veículo e diminuir as paradas para abastecimento. Competência de montadoras e autopeças.
- Criação de uma política industrial que inclua o aumento da produção de etanol para que a maior oferta reduza o preço na bomba. Competência do governo, produtores e usinas.
- Ampliação de 27% para 30% na mistura de etanol na gasolina. Decisão de governo.
Renovação da frota
- Programa de inspeção veicular. Iniciativa tem de partir de governos.
- Programa de renovação da frota para retirada de circulação de veículos velhos. Decisão tem de partir de governos e iniciativa privada.
Importação de carros elétricos
- Volta da cobrança de Imposto de Importação (II) de 35% para carros elétricos, que está zerada desde 2015, e híbridos. Decisão do governo será anunciada em breve.
- Anfavea (associação das montadoras) defende a criação de cotas com imposto zero por cinco anos. A cota seria de 2 mil automóveis/ano e 1 mil de comerciais leves/ano para montadoras e importadores. Proposta da entidade ao governo.
Mudança na forma de calcular o IPI
- Cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) passaria a ser feito de acordo com a eficiência energética e as emissões de cada automóvel. Proposta da Anfavea ao governo.
- Hoje a tarifa varia de acordo com a cilindrada do motor. Para modelos 1.0 flex é de 5,27%; acima de 1.0 até 2.0 é de 9,78% (gasolina) e 8,28% (flex); e acima de 2.0 a taxa é de 18,81% (gasolina) e 13.55% (flex).
Produção de carros híbridos flex
- Empresas aguardam definição do governo sobre uma política industrial para a eletrificação. O híbrido opera com uma bateria e um motor a combustão – no caso do flex, pode usar etanol ou gasolina. Não é carregado na tomada e custa, em média, duas a três vezes menos que os elétricos.
- Não exige nova infraestrutura pois o País tem postos de combustíveis. Toyota e Caoa Chery já produzem híbridos flex. Volkswagen, Renault, Stellantis e GWM prometem produção local para 2024.
- Segunda fase do Rota 2030, ainda em discussão, vai estabelecer novas metas de emissões e eficiência energética, o que pode levar mais empresas a fabricarem carros híbridos ou importarem elétricos para atender as normas.
- O Rota 2030 também deve regular normas de segurança, estabelecer a medição da eficiência energética dos carros utilizando o método chamado de “poço à roda” (mede as emissões do escapamento do carro e da produção do combustível) e alinhar incentivos em P&D relacionados a combustíveis alternativos.
Produção de carros elétricos
- Incentivo para pesquisa e desenvolvimento. Depende de política industrial do governo, iniciativa privada, universidades e centros de P&D.
- Incentivo à fabricação de baterias. Governo já informou que trabalha em projetos para atrair produtores.
- Incentivo à mineração e processamento de matérias-primas como lítio e níquel. Depende de política industrial do governo e iniciativa privada.
- Financiamento para infraestrutura pública de recarga rápida e ultrarrápida. A instalação de 100 mil postos de recarga em todo o País exigiria investimentos de R$ 10 bilhões. Hoje há cerca de 3,2 mil eletropostos, a maioria em grandes centros urbanos, segundo a ABVE (associação dos veículos elétricos). De competência dos governos e iniciativa privada.
- Desenvolver uma cadeia de reciclagem de baterias e do carro elétrico como um todo. De competência dos governos e iniciativa privada.
Carros a célula de combustível
- Vários países estudam o uso do hidrogênio para gerar a energia dos automóveis, solução considerada a mais eficiente para o longo prazo. A Toyota já tem no exterior veículos com essa tecnologia, mas a produção ainda é restrita.
- O Brasil também está nessa rota, e, de novo, o etanol aparece como possível solução para ser o gerador da eletricidade. Empresas como Nissan, Toyota, GWM, Shell, Raízen e Hytron, universidades (USP) e centros de pesquisa (Ipen, RCGI e Senai CETIQT) trabalham no desenvolvimento dessa tecnologia. Necessidade de investimentos de governos e iniciativa privada. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)