O Estado de S. Paulo
A escassez global de semicondutores, que paralisou indústrias de diferentes setores no mundo todo, incluindo o Brasil, vai continuar no próximo ano e pode entrar em 2023 também, por conta do descasamento entre oferta e demanda. De 2020 a 2022, a ampliação da capacidade produtiva das fabricantes está na casa dos 6%, enquanto a demanda registra alta de 17%. Mas o problema não é só esse.
Os microchips são usados em carros, computadores, celulares e vários outros produtos, mas o setor mais afetado foi o automotivo. A maior parte dos veículos usa semicondutores mais antigos, e as fabricantes priorizam o atendimento de clientes que usam as novas gerações. Um dos motivos é porque garantem melhor retorno financeiro, segundo conclusão do mais recente estudo global da consultoria Roland Berger.
Atualmente, veículos a combustão usam apenas 5% de semicondutores mais avançados, e os elétricos, 50%. O foco maior dos novos investimentos é a ampliação da produção dos chips mais avançados, o que não vai aliviar a situação das montadoras.
Só as empresas de capital de risco devem colocar mais de US$ 6 bilhões em fabricantes de chips no próximo ano, calcula a consultoria Deloitte. Há novas fábricas sendo erguidas, mas levam em média dois a três anos para ficarem prontas.
A escala de consumo também pesa contra as montadoras. “Só a linha de iPhone da Apple é mais importante para o produtor do que toda a indústria automotiva, o que tira poder de barganha das empresas do setor, assim como prioridade no atendimento”, diz Marcus Ayres, sócio-diretor responsável pela prática Industrial da Roland Berger na América Latina.
Neste ano, a indústria mundial deve perder entre 10 milhões a 12 milhões de carros, que deixaram de ser produzidos por causa da falta de microchips, segundo projeções da consultoria BCG. No Brasil, são 300 mil unidades a menos. Para 2022, o número global baixa para 5 milhões, e o brasileiro para cerca de 150 mil.
A Deloitte prevê que a escassez de semicondutores dure até o início de 2023, e que, ao final do próximo ano, a espera por chips será de 10 a 20 semanas. Mas o prolongamento da crise não é consenso. O JPMorgan avalia que a situação deve melhorar no segundo semestre do próximo ano.
Peso
Os problemas não serão de maneira uniforme. Pelo menos uma das grandes montadoras instaladas no País, a Volkswagen, tem previsão de manter 1,5 mil trabalhadores da fábrica do ABC paulista afastados até abril por causa da falta dos componentes.
Na planta de Taubaté (SP), todos os funcionários da produção terão férias coletivas por 30 dias a partir de 4 de janeiro, emendando com o recesso de duas semanas do fim do ano. No mês seguinte, 1,2 mil trabalhadores ficarão em lay-off por dois a cinco meses.
Por outro lado, a General Motors antecipou para janeiro o retorno de 700 funcionários que estavam com contratos de trabalho suspensos e a volta prevista para abril. Neste mês, a Fiat já havia antecipado o retorno de 900 operários de Betim (MG) que deveriam voltar ao trabalho em janeiro, junto com outros 900 também dispensados em outubro.
Impacto da falta de chips foi menor em outras indústrias
A indústria de eletroeletrônicos também foi prejudicada pela desorganização nas cadeias produtivas provocada pela pandemia da covid-19. Grande parte das empresas do setor teve dificuldades na aquisição de semicondutores, o que gerou atraso na produção e na entrega e paralisação parcial em algumas linhas de produção.
“Mas não tivemos conhecimento de nenhuma fábrica que tenha paralisado toda a produção”, afirma Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). A expectativa do setor é de normalidade de abastecimento em meados de 2022 ou início de 2023.
Fabricantes de máquinas e equipamentos também registraram atrasos no recebimento de peças com semicondutores, em especial no segmento de máquinas agrícolas e rodoviárias, “mas nada comparado ao que ocorreu com o setor automotivo”, de acordo com José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). “Nenhuma fábrica teve a produção interrompida”, diz. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)