Mobilidade Sampa
Na época em que nós tínhamos um piloto brasileiro pra torcer na Fórmula 1 houve um fim de semana em que a grande discussão era qual deveria ser a estratégia do Rubens Barrichello. Ele havia sido pole position nos treinos oficiais do Grande Prêmio e teria Michael Schumacher e outros grandes pilotos em seu encalço na larga da prova. Alguns diziam que ele deveria fechar a passagem para um lado, outros achavam que deveria retardar a freada para outro lado.
A questão foi levada então ao tricampeão Nelson Piquet, famoso por suas opiniões claras, polêmicas, mas quase sempre certas a respeito do que acontece nas pistas. Como era esperado, ele resumiu a questão demonstrando uma visão muito mais arrojada e assertiva: “Quem está na frente tem que se preocupar somente em acelerar. O que está atrás é problema dos outros.”
O conceito de Piquet pode ser transferido para os debates que o Brasil tem travado a respeito da mobilidade urbana. O preço da gasolina; a interferência ou não do governo na direção da Petrobrás; a necessidade ou não de oferecer subsídios fiscais para manter e atrair montadoras multinacionais.
Todas essas e muitas outras questões que têm preenchido o noticiário há décadas permanecem ocupando corações e mentes. O problema é que elas mantêm o Brasil olhando para trás, enquanto outros competidores já miram a dianteira! E aceleram.
Só para dar um exemplo, os brasileiros ainda discutem sobre a formatação de uma política de impostos que leve à redução do preço dos combustíveis fósseis. Por outro lado, as nações desenvolvidas já estão avançando em direção a metas ambiciosas de produção e circulação dos carros elétricos.
O recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, por exemplo, começa a dar os primeiros passos para alcançar sua meta de construir cerca de 500 mil novas estações de carregamento para veículos movidos a eletricidade espalhadas pelo território americano, trocar toda a frota do governo, substituindo os veículos a combustão pelos eletrificados. A proposta inclui, ainda, financiar a transição das montadoras para modelos mais limpos e um maior suporte para as pequenas empresas iniciantes no segmento.
Na Europa, o objetivo declarado é chegar em 2035, ou seja, daqui a menos de 15 anos, com apenas veículos elétricos sendo comercializados. Isso significa que em uma década e meia nenhum europeu poderá mais comprar um carro a diesel ou a gasolina.
É óbvio que uma mudança de paradigma deste tamanho não se faz de uma hora para outra, mas a experiência do desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19 provou mais uma vez que, havendo uma conjunção de forças interessadas numa solução, ela acontece no menor tempo possível e com resultados satisfatórios.
Significa que o Brasil não pode e não deve abandonar repentinamente as grandes discussões sobre os preços da gasolina, por exemplo. Mas, por outro lado, deve começar imediatamente a aplicar mais foco em discussões sobre temas ligados ao futuro da mobilidade.
Só para ter uma ideia do quanto o País está atrasado nesta corrida, a indústria nacional teve em 2020 o melhor ano de vendas de carros elétricos da história, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). Apesar disso, a fração de elétricos do país ainda corresponde a menos de 1% do mercado total de veículos.
Uma das formas de começar a sair das últimas posições seria trazer para a ordem do dia o Projeto de Lei 3174 de 2020 que tramita na Câmara dos Deputados desde outubro de 2020 e prevê corte de impostos, troca da frota do Governo Federal e criação de linhas de crédito prioritárias para a produção de veículos elétricos no país.
O texto propõe, entre outras coisas, que os veículos elétricos passarão a contar com isenção total de Imposto sobre Produtos Industrializados. Já os modelos híbridos (com propulsão elétrica e convencional) terão redução de 50% no tributo.
Olhar para o retrovisor é importante, mas, para quem quer ganhar, olhar para frente e acelerar é muito, muito mais. (Mobilidade Sampa/Flávio Padovan)