O Estado de S. Paulo
O pensamento do brasileiro sobre mobilidade está mudando. Um estudo realizado em 2020 pela consultoria global Kantar apontou que o uso de carros na cidade de São Paulo deve cair 28% nos próximos dez anos, enquanto devem ganhar força o transporte público (alta de 10%), a caminhada (25%) e as bicicletas (47%).
O levantamento prevê também que a capital paulista será a terceira cidade do mundo com a maior revolução no uso de transportes na próxima década, atrás somente de Moscou, na Rússia, e de Manchester, na Inglaterra.
Os especialistas citam três principais motivos para a mudança de comportamento. O primeiro é a chegada dos aplicativos de mobilidade ou locação de carros. O segundo é a crescente preocupação com o meio ambiente, que faz com que as pessoas adotem soluções que vão da bicicleta e do transporte público aos carros elétricos ou híbridos.
O terceiro é um fator mais geracional, segundo o arquiteto e urbanista Paulo Renato Alves. “Os jovens hoje não querem pagar por uma coisa que eles não usam, é a geração pay per use mesmo”, diz.
Com a mudança gradual
de mentalidade, as legislações de algumas cidades, como São Paulo e Porto Alegre, já começam a flexibilizar a obrigatoriedade de ter vagas de garagem nos condomínios residenciais. “Isso permite que os prédios
possam voltar a entregar o térreo para a cidade”, afirma Alves. “É uma gentileza urbana que gera isenção de outorgas onerosas para o empreendedor, que pode construir mais área privativa em outras localidades, enquanto o térreo vira área de fruição pública, com fachada ativa para fortalecer o comércio local, praças e espaços para caminhar a pé”, exemplifica.
Vagas verdes. Outra tendência que está transformando o formato das garagens nos prédios é a chegada dos carros elétricos ou híbridos. Na capital paulista, onde a lei determinou este ano que os projetos residenciais
já devem nascer com um sistema de recarga para esses veículos, a plataforma de serviços de moradia por assinatura Housi já fechou parceria com a startup de mobilidade Easy Volt para que suas unidades tenham um eletroposto de abastecimento.
Para Davi Bertoncello, sócio proprietário da Tupinambá Energia, que pretende atingir 17 mil pontos de recarga instalados pelo Brasil até 2025, a nova lei vem de encontro às metas de descarbonização assinadas pelo País no Acordo de Paris de 2016 e ao crescimento da frota de elétricos e híbridos no território nacional.
“Embora aplicável apenas para novos edifícios, o impacto da lei foi imediato”, diz. “Se até o último mês de março as iniciativas de eletrificação eram, em sua esmagadora maioria, realizadas por pessoas físicas, nas últimas semanas as solicitações de condomínios dispararam 300%.”
A incorporadora Brasal, que atua em Goiás, Distrito Federal e Minas, foi outra que saiu à frente, criando as chamadas “vagas verdes” em todos os seus novos empreendimentos. Essas vagas já vêm com o equipamento instalado e à disposição dos condôminos. “Esse movimento é por acharmos que é nossa responsabilidade ter um mínimo de consciência ambiental na construção civil”, diz Lia Galera, arquiteta de incorporações do grupo.
Compartilhamento. Além das mudanças legislativas, os próprios condomínios residenciais começam a trazer soluções para essas questões. De acordo com Julio Paim, presidente do portal SíndicoNet, o modelo de car sharing (compartilhamento de carros) ainda é um projeto em fase inicial, mas já existe em alguns condomínios, que cedem vagas para aplicativos de locação. “O usuário abre o app na hora marcada, tira uma foto da carteira de motorista e aciona o bluetooth para abrir a porta do veículo”, explica. A chave fica no porta-luvas, com um cartão combustível.
“Observamos que já havia um movimento de as pessoas venderem os seus veículos há alguns anos”, diz. “Com a pandemia, essa tendência tem ganhado força. Quem antes tinha dois carros, por exemplo, hoje tem apenas um.”
É o caso do advogado Flavio Monteiro, de 50 anos, morador do Real Parque, bairro na zona sul paulistana. Dono de um carro esportivo, ele também usa o aplicativo de aluguel de carros Turbi. “Eles têm estacionamentos espalhados por toda a cidade”, diz, explicando que é possível escolher entre quatro padrões de carros cuja locação varia de R$ 10 a R$ 35 por hora, mais R$ 0,50 por quilômetro rodado.
“Observamos que já havia um movimento de pessoas venderem os seus veículos há alguns anos, Julio Paim, presidente do Portal Síndiconet. (O Estado de S. Paulo/Bianca Zanatta)