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O Koenigsegg Gemera, que fez sua estreia pública mundial em março passado, tem uma carroceria de fibra de carbono com um visual quase tão impressionante quanto o de seu antecessor, o Koenigsegg Agera – veículo que até janeiro tinha a distinção de fabricação mais rápida da história. Ele também tem uma versão avançada das portas dianteiras do Agera que, abertas, lembram asas levantando voo. Enormes saídas de ar e retoques aerodinâmicos, por sua vez, tornam o veículo igualmente ameaçador.
Porém, uma diferença radical entre os dois supercarros não é visível até que se abra o capô: em lugar do motor V8 biturboalimentado que é o barulhento coração de 960 cavalos do Agera, o Gemera de 1,5 milhão de euros (1,8 milhão de dólares) tem um motor turboalimentado 2.0 e três cilindros – além de três motores elétricos. A combinação de combustão e tecnologia elétrica é boa o bastante para uma potência combinada de 1.700 cavalos. A previsão é que o Gemera vá de zero a 96,5 km/h (60 milhas por hora, no original em inglês) em menos de 2 segundos.
A montadora sueca não é a única marca de automóveis de elite em busca de energia elétrica para seu futuro. A Pininfarina lançou seu Battista totalmente elétrico de 1.900 cavalos em 2019, mesmo ano em que a Lotus revelou seu Evija elétrico de 1.973 cavalos. Ambos estão na fila da produção deste ano das empresas. A Ferrari, por sua vez, está fabricando seu híbrido SF90 Stradale, de 986 cavalos. A McLaren também revelou um Artura híbrido de 225.000 dólares, que usa um motor elétrico para chegar a 330 km/h (205 mph, no original).
No passado uma anomalia, os supercarros movidos a eletricidade estão redefinindo o que significa ser extraordinário em tempos modernos. Nos últimos dois anos, dúzias de veículos de alto desempenho ganharam vida, uma verdadeira enxurrada de lançamentos na comparação com algumas das décadas anteriores. Porém, agora que mais de 1.000 cavalos de potência e velocidades máximas de 320 km/h viraram carne de vaca, as montadoras estão contando com motores elétricos para ir além dos limites externos do motor a explosão.
Há quem diga que o único caminho é o elétrico.
“A próxima fase da tecnologia automotiva de supercarros tem de ser elétrica”, afirma John Wiley, que administra análises de avaliação para o Hagerty Group, especializado em segurar esses automóveis raros. “Os motores elétricos estão aí. O desempenho está aí. Em termos de inovação, o próximo passo é esse”.
David Lee, empresário e colecionador de carros da Califórnia e proprietário de um LaFerrari, veículo que marcou a primeira incursão da Ferrari na tecnologia híbrida, concorda. “Do ponto de vista da engenharia, a potência na aspiração natural tem limites – e as montadoras chegaram ao limite desses carros”, diz ele. “É uma progressão natural.”
A chegada do powertrain elétrico (sistema formado pela caixa de marchas, diferencial, eixos de transmissão, embreagem e rodas motrizes de um veículo) dividiu entusiastas, intelectuais e engenheiros. A última versão de Gordon Murray – cuja McLaren F1 bateu em 1998 o recorde de produção mais rápida – é chamada de T. 50 e tem um motor V12 naturalmente aspirado.
“Para um carro esportivo hoje, é a hora errada (para a tecnologia elétrica)”, diz ele. “Os carros são pesados demais.” O T. 50 de Murray pesa pouco menos de 1 tonelada; já carros elétricos como o Battista e o Evija têm cerca de duas vezes o mesmo peso, por causa das baterias.
John Hennessey, cuja fama vem de seu Venom GT Spyder, que registrou velocidade máxima recorde (para a época) de 426 km/h em 2016, planeja bater o próprio recorde esta primavera com seu Venom F5, movido a V8. “Estamos muito felizes de tê-lo feito naturalmente aspirado”, diz ele. “Eu decidi esperar um pouco antes de seguir com o projeto, porque achei que, talvez com o tempo, a tecnologia de bateria fosse melhorar e os pesos diminuíssem, mas parece que não aconteceu.”
Jamie Morrow, piloto profissional do Chiron Pur Sport de 1.500 cavalos da Bugatti, é menos diplomático. “Nenhum de nossos chefes está pedindo tecnologia híbrida ou eléctrica”, me disse ele num passeio recente pela autoestrada Mulholland, no sul da Califórnia, no cupê de 3,9 milhões de dólares. “Na verdade, eles estão aliviados por não estarmos buscando isso.”
Carros especiais com foco em alto desempenho e design extremo existem desde a era da carruagem sem cavalo. Nas décadas de 1920 e 1930, ricaços em busca de aventura que queriam ultrapassar os limites de velocidade e impressionar os vizinhos podiam comprar um Bentley Blower, célebre por ganhar corridas de resistência exóticas, ou um Bugatti Atlantic, que simbolizava o estado da arte do design art deco. Na década de 1950, tanto o Corvette, a Mercedes-Benz 300SL e o Jaguar E-Type se enquadravam na categoria de Carros Esportivos Muito Especiais.
Bastou uma equipe de jovens engenheiros da Lamborghini revelar o Miura em 1966 para o termo “supercarro” ser oficialmente reconhecido. Imediatamente identificável por seu perfil discreto, corpo de balanço suave e faróis ovoides, o Miura era diferente de qualquer coisa antes dele; foi o primeiro carro esportivo fabricado com um meio motor traseiro e dois lugares. O preço na época estava nas alturas – 20.000 dólares (162.000 em dinheiro de hoje) -, mas o desempenho também. A velocidade máxima era de 289,6 km/h (180 mph), muito acima do limite inferior a 225 km/h (140 mph) do Ford Mustang e outros esportivos populares.
Outras montadoras não demoraram a seguir o exemplo. Assim como a última moda nas passarelas dos desfiles de moda de alta costura, os supercarros ajudam os fabricantes a mostrar o que são capazes de criar quando tempo e dinheiro não são um problema.
“É próprio de uma montadora levar ao extremo cada aspecto do design e do desempenho, para não se limitar às restrições das economias de grande escala”, afirma Jonathan Klinger, vice-presidente para a cultura de carros da Hagerty.
Assim, os supercarros ocupam o reino da fantasia em vez de algo prático na vida real, por exemplo, assentos ajustáveis por controle. Eles são um potente coquetel de inovação, poder e sex appeal.
“Um supercarro vai muito além de qualquer estatística de desempenho atribuída a ele”, diz Martin Roach, autor inglês de The Supercar Book: The Complete Guide to the Machines That Make Our Jaws Drop (“O Livro dos Supercarros: O Guia Completo das Máquinas que nos Deixam de Queixo Caído”, numa tradução livre). “Eles acendem muitas luzes na psique humana, inclusive as ruins. Um supercarro é um objeto de desejo, uma obra-prima da engenharia e um objeto de beleza.”
E também têm um propósito mundano, como protótipos para invenções que mais tarde serão aplicadas a veículos mais acessíveis. Câmeras de ré, sistemas de navegação, relógios no painel, freios de cerâmica e materiais de fibra de carbono, todos descendem de uma linhagem iniciada nos supercarros.
A mesma lógica vale para os motores elétricos. “Os supercarros ajudaram a mudar a grande narrativa em torno da eletrificação dos veículos”, afirma Klinger. “Há 15 anos, se você sequer usasse a palavra ‘híbrido’ perto de um fanático por carros, ele na hora ia começar a fazer piada com o Prius.”
O híbrido Porsche 918 Spyder virou esse jogo em 2013, com sua aparência cool saída de Le Mans e um poderoso motor V8. Quando os motores elétricos conseguiram chegar a 100 km/h em meros 2,6 segundos, de repente a tecnologia híbrida começou a fazer sentido para o comprador de carros moderno. E também preparou o terreno para a Porsche vender o sedan elétrico Taycan lançado pela empresa em 2019.
Ironicamente, à medida que caminhões e SUVs vêm ganhando preferência entre os consumidores – representando 75% do mercado americano de veículos -, os supercarros estão mais populares do que nunca.
“Montadoras como a nossa estão fabricando mais edições especiais do que no passado”, afirma Peter Freedman, vice-presidente e diretor executivo de marketing da Aston Martin. “[A produção] vem aumentando nos últimos seis, sete anos conforme a procura por estes produtos vem crescendo”.
É sintomático que a Lamborghini tenha apresentado dois novos veículos em 2014, cinco em 2018, sete em 2019 e nove em 2020. Embora seja difícil descobrir o número de unidades fabricadas no mundo hipersigiloso dos supercarros, “nós gostamos de fazer um a menos do que podemos vender”, costuma dizer o CTO Maurizio Reggiani, ecoando uma frase conhecida.
Os carros em si até estão se tornando, ousamos dizer, menos obcecados com recordes de velocidade – embora qualquer supercarro, por definição, continue a ser absurdamente veloz na escala de cabelos esvoaçantes – e mais dedicados a acomodar a vida como ela é por trás do volante.
O Bugatti Chiron Pur Sport 2021, por exemplo, oferece uma caixa de ferramentas 15% menor para facilitar nas curvas em desfiladeiros nas estradas de montanhas. O Lamborghini Aventador SVJ 2021 traz um elevador acionado por botão que ajuda a dirigir em quebra-molas. Cada nova Ferrari traz vastos sistemas de entretenimento e navegação.
Porém, talvez o mais chocante de tudo é o novo Koenigsegg Gemera oferecer assentos luxuosamente espaçosos para quatro adultos – além de oito porta-copos. É uma concessão tão radical à vida real em um carro em outros sentidos extraterrestres, que poderia até fazer você se esquecer de que o negócio é elétrico. E talvez a ideia seja essa.
Um novo tipo de velocidade
McLaren Artura – O híbrido da Artura de 225.000 dólares está entre os menos caros dos supercarros elétricos, mas não é menos dinâmico em termos de aparência, com as mesmas linhas de carroceria afundada e portas que abrem para cima de seu irmão da McLaren. O Artura combina um motor de seis cilindros com um motor elétrico único para uma velocidade máxima de 330 km/h (205 mph).
Pininfarina Battista – Desenvolvido pelo braço automotivo do antigo fabricante de carruagens homônimo, o italiano de 2,5 milhões de dólares tem quatro motores elétricos – um acoplado a cada roda – capazes de produzir 1.900 cavalos de potência. Divulgado em 2019, está em produção este ano. Apenas 150 serão fabricados.
Aspark Owl – Anunciado em 2017 e em produção neste ano, o supercarro japonês de 3 milhões de dólares ampliou a ideia do que um supercarro elétrico pode ser. Ele ostenta uma banheira monocoque de fibra de carbono, tração nas quatro rodas e, na época de lançamento, a aceleração mais rápida de qualquer carro elétrico até então: de zero a 100 km/h (62 mph) em 1,9 segundo. Produção limitada a 50 unidades.
Lotus Evija – O veículo de 2 milhões de dólares da montadora britânica estreou em 2019 e está em produção neste ano. Vem equipado com um sistema que promete 80% de carga completa em apenas 12 minutos — muito menos que as horas exigidas por outros carros elétricos. A potência de 1.972 cavalos é de 346 km (215 milhas). Só 130 serão fabricados. (Portal Exame/Bloomberg Businessweek/Hannah Elliott, tradução de Fabrício Calado Moreira)