O Estado de S. Paulo
Colocar a sustentabilidade no foco do negócio é um caminho sem volta. Mas, quando uma empresa decide trilhar por ele, muitas dúvidas podem ocorrer. As fabricantes de veículos comerciais no País mais maduras no tema sustentabilidade auxiliam seus clientes frotistas e transportadores a ingressar nessa rota. Mas, mais que isso, elas contam como vem ocorrendo a mudança de comportamento com base na escolha do veículo.
Marcio Furlan, diretor de marketing e comunicação da Scania no Brasil, explica que a fabricante enfrentou muitos desafios desde que resolveu liderar a tendência de transformação para o transporte sustentável no País.
O primeiro deles foi reunir toda a cadeia do segmento. Como a indústria produtora de energia para combustíveis alternativos, nesse caso o GNV, embarcadores, transportadores e até mesmo o governo. Todos dispostos a trabalhar em conjunto na promoção de uma energia mais limpa para caminhões.
Outro ponto desafiador foi alterar a forma como os clientes enxergavam a Scania. Marca que há mais de 60 anos atuou no Brasil com um modelo de transporte mais tradicional. “Com o tempo, fomos trabalhando justamente para mostrar que a sustentabilidade, mais que um propósito, é uma estratégia de negócios para as empresas”, diz Furlan.
O executivo acrescenta ainda que uma das tarefas da Scania é revelar ao seu cliente a direção para o novo pensamento. “Ninguém vai querer trabalhar ou mesmo fazer negócios com quem não esteja preocupado com o mundo que vai deixar para as próximas gerações. Que tipo de economia essas empresas estão promovendo e quais os seus valores são questionamentos que começam a ser feitos”, diz o diretor de marketing e comunicação da Scania.
Furlan coloca alguns valores como importantes para ingressar no caminho da sustentabilidade. Formar parcerias, mudar o pensamento, tendo o foco de que o tema é estratégico para os negócios. E o mais importante é mostrar resultados. Comunicar para o mercado resultados realmente factíveis, ou seja, os frutos colhidos por meio das práticas sustentáveis.
“No exemplo da Scania, a gente falou dos veículos a gás e, em seguida, apresentamos esses veículos. Começamos a vendê-los e, meses depois, contabilizamos um pouco mais de 50 unidades comercializadas. Mas o melhor é que, hoje, temos clientes fazendo a recompra de mais unidades.”
Antes mesmo de a Scania falar sobre caminhões a gás no Brasil, a marca, por meio da conectividade, introduziu mudanças de pensamento e na forma de como muitos empresários geriam suas frotas. Fato é que, a partir dessa ferramenta, empresas começaram a desenvolver uma operação mais eficiente, como evitar paradas desnecessárias para a manutenção.
Pela conectividade, a marca apresentou aos clientes, por exemplo, que a troca de óleo de um veículo não precisa ser, necessariamente, a cada 10 mil quilômetros, como ocorre tradicionalmente. Que a inteligência da conectividade nos caminhões da marca é capaz de indicar o momento correto de fazer a troca de óleo. Isso é um ponto positivo para a operação, uma vez que o caminhão fica mais tempo disponível. Por outro lado, quando esse mesmo veículo precisa parar para realizar a troca de óleo, ela será programada, poupando o tempo do caminhão na oficina.
Práticas sustentáveis
Sergio Habib, presidente do Grupo SHC e da JAC Motors Brasil, acredita que, para o empresário entrar no negócio mais sustentável, tem algumas condições, que ainda no Brasil estão sendo maturadas. Uma delas é ter muito esclarecimento sobre as práticas sustentáveis.
“Em países como o nosso, o empresário do transporte não tem colaboração do governo. Então, se, ainda assim, ele está ingressando nesse negócio, é porque se muniu de informações. E sabe que a sustentabilidade é o futuro para gerar valor ao negócio.”
A JAC Motors lançou, em setembro passado, o primeiro caminhão elétrico do Brasil direcionado à atividade de coleta e distribuição urbana. E muitos dos negócios realizados pela companhia partiram dos grandes embarcadores.
Apesar de, muitas vezes, o foco do negócio do embarcador não ser o caminhão, ele é o meio. Portanto, se a transportadora quer continuar a ser competitiva dentro da operação do seu cliente, ela vai virar a chave para a sustentabilidade, mesmo sem incentivos do governo.
Razão pela qual o presidente da JAC acredita que essa mudança para o transporte verde ocorrerá em grande escala por meio do embarcador. “Há dois perfis de empresas embarcadoras que estão puxando o coro da prática sustentável no transporte. Empresas cujas matrizes, geralmente europeias, têm compromissos globais com as questões sustentáveis em todas as suas operações. E isso inclui até mesmo países, como o Brasil, que não têm compromissos latentes com o tema. E empresas brasileiras, como Natura e Magazine Luiza, que se muniram de informações e entenderam que ações sustentáveis são estratégicas para suas operações porque o cliente final reconhece isso”, avalia.
Precursora da mudança
A BYD introduziu o veículo 100% elétrico no País, em 2012. Logo, foi a marca que deu início ao tema dentro do transporte rodoviário de carga e de passageiro. Henrique Antunes, diretor de vendas da BYD, conta que disseminar a cultura e o entendimento do veículo elétrico foi bastante desafiador. “Todos os nossos projetos começaram de forma gradativa. Para isso, desenvolvemos projetos-piloto colocando os veículos para os empresários testarem. A partir da primeira experiência é que as dúvidas e indagações começaram a ser esclarecidas.”
Foi por meio desse primeiro entendimento que os clientes passaram a optar pela mudança. E o resultado, mesmo que a médio prazo, chegou. Neste ano, em meio à pandemia, a BYD fechou algumas vendas de ônibus em importantes cidades do País. Além disso, apresentou novas configurações e conseguiu credenciamento, junto ao governo, para a venda do veículo via Finame.
“Isso é reflexo de um trabalho que vem sendo feito desde 2012. O mercado brasileiro está amadurecendo para a eletromobilidade. Normalmente, as empresas que investem na tecnologia são as que têm visão de futuro. Possuem projetos e metas a cumprir, o que também justifica o fato de estarmos agora colhendo os frutos”, conta Antunes.
Vendas de 1,6 mil unidades
A Volkswagen Caminhões e Ônibus lançará o seu caminhão e-delivery (elétrico) até o primeiro semestre do próximo ano. E a marca chegará ao mercado com o produto bem maduro. Um dos maiores distribuidores de bebidas do País, embarcador Ambev, colocou o veículo em teste na sua operação. E promete comprar 1,6 mil unidades do modelo a partir do lançamento. A marca também está avaliando os caminhões a gás da Scania para a operação de longo percurso.
Mas, antes mesmo de anunciar os testes com o e-delivery, a fabricante alemã adotou a sustentabilidade dentro de casa. O fruto disso é o consórcio modular, um sistema de produção em que os fornecedores dividem com a VWCO a responsabilidade pela montagem dos veículos dentro da fábrica. Com essa prática, que ocorre há 25 anos com veículos a combustão, a produção é enxuta. Não há desperdícios e a operação é rentável para todos os envolvidos.
Mas, agora, com o e-consórcio, a proposta é expandir a atuação para além dos portões da fábrica, indo aonde o cliente estiver. E isso envolve, por exemplo, análise e instalação de terminais para recarga nas garagens dos clientes, em qualquer ponto do Brasil, bem como descarte de peças e baterias ou mesmo reaproveitamento de itens no final da vida útil do veículo. Fazendo com que a operação integre um círculo virtuoso.
“O caminhão elétrico vai chegar e a nossa ideia com as parcerias é fazer com que todos os processos sejam eficientes, a fim de otimizar o negócio do cliente. A gente entende que a entrada do caminhão elétrico vai ocorrer aos poucos, ainda mais em outras aplicações. Por isso, nossa função é maturar o comportamento do cliente em relação ao uso do veículo”, explica Walter Pellizzari, gerente de estratégia corporativa e planejamento e-mobility da VWCO. Ele diz que uma das estratégias é preparar a infraestrutura para receber o caminhão elétrico. Algo que, segundo o executivo, ainda gera dúvidas sobre a adoção da tecnologia. Muito em função da falta de políticas públicas para incentivar a infraestrutura de carregamento nas cidades.
E, para deixar o cliente mais confortável e confiante de que migrar para o transporte sustentável é uma escolha certa, o executivo explica que a VWCO está dando todo o apoio.
“Estudamos a rota e a quilometragem rodada na operação de cada frotista. Dessa forma, vamos entregar o caminhão com o tamanho de bateria necessário para ele cumprir sua tarefa sem a necessidade de paradas no meio do trajeto. E, quando o caminhão retornar para a empresa, à noite, por exemplo, será feita a recarga. Na conta entra, inclusive, até o consumo de energia. Uma vez que a compra do caminhão é racional, temos que fazer a equação e entregar um caminhão funcional em todos os sentidos”. (O Estado de S. Paulo/Andrea Ramos)