Desvendando a complexa mobilidade feminina

O Estado de S. Paulo

 

Renda, localização de suas residências, idade, grau de instrução e atribuições familiares são fatores que alteram os tipos e os motivos do deslocamento feminino, de acordo com o estudo “Mulheres e seus deslocamentos na cidade: uma análise da Pesquisa Origem e Destino, do Metrô”, da Prefeitura de São Paulo e da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU). De maneira geral, o transporte coletivo é predominante, com uso cada mais frequente, de acordo com o aumento da idade: seu maior percentual se concentra em mulheres entre 18 e 29 anos, representando 57% das viagens femininas nessa faixa etária.

 

As mulheres com maior renda possuem padrões de deslocamento muito parecidos aos dos homens da mesma faixa etária e renda. “O que se nota, sobretudo entre mulheres brancas, é que, quanto mais ascendem socialmente, mais predominante será o uso do transporte particular, principalmente carro”, diz Clarisse Cunha Linke, diretora executiva do Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento (ITDP). Oposto ao que ocorre com as mulheres de baixa renda, cujo padrão é diferente dos homens da mesma classe social: enquanto elas se deslocam via transporte coletivo e a pé, eles utilizam, sobretudo, transporte individual.

 

Dificuldades para as mães

 

Ter filhos é outro fator que influencia diretamente a mobilidade feminina: de maneira geral, as mulheres com filhos entre 5 e 9 anos são as que mais realizam viagens a pé (44%), seguido pelo transporte coletivo (29%), como mostra o gráfico acima. “Esse comportamento é resultado das diferentes funções que o público feminino exerce na família e ele se repete nas mulheres que saem de casa para trabalhar”, diz Linke.

 

Ainda de acordo com o estudo, para os homens, o fato de ter filhos nessa mesma faixa etária não altera tão significativamente o modo e o motivo predominantes do deslocamento: modo individual (51% do total), motivado pelo trabalho.

 

Insegurança, medo e assédio ainda são, infelizmente, palavras associadas aos deslocamentos femininos, e isso ocorre em diversos modais. Para poder compreender alguns dos desafios das mulheres em sua locomoção, o Instituto Patrícia Galvão e o Instituto Locomotiva realizaram, em 2019, uma pesquisa com 1.081 brasileiras que usam transporte público e por aplicativo. Desse total, 97% dizem já ter sido vítimas de assédio em meios de transporte. Entre as ocorrências mais apontadas estão olhares insistentes, cantadas, comentários de cunho sexual, passadas de mão e até mesmo “encoxadas”.

 

Ciclistas com medo

 

O levantamento também revela que, para as mulheres que trabalham e/ou estudam, o tempo gasto no deslocamento entre sua casa e o trabalho/instituição de ensino é um fator decisivo em suas vidas: para 72% delas, esse fator determina se irão aceitar um emprego ou permanecer nele. Quase metade das entrevistadas (46%) afirma não se sentirem confiantes para usar os meios de transporte sem sofrer assédio.

 

O medo também é presente na rotina das ciclistas. A bicicleta ainda representa 0,2% dos deslocamentos das mulheres na cidade de São Paulo – e 1% dos homens –, mas é um modal com muito potencial para avançar, principalmente no cenário pós-pandemia. “É muito comum que as ciclistas mudem seus trajetos e pedalem muito mais para não passar por locais desertos e perigosos, como viadutos de travessia em estradas, ruas pouco iluminadas, becos e vielas”, diz Renata Falzoni, arquiteta, jornalista e cicloativista.

 

De acordo com ela, a bicicleta é um meio de transporte que tem muita aceitação pelas mulheres e se encaixa em seu perfil de deslocamentos, mas a questão da segurança ainda é um ponto de atenção. “Basta ver em ciclovias com boa estrutura e muita circulação de pessoas, como as da Avenida Faria Lima e Paulista, que registram número de mulheres muito maior que o de homens”, diz ela. O problema da falta de inclusão na mobilidade, segundo Falzoni, é que as necessidades das mulheres não chegam até as instâncias finais dos projetos. “No início das discussões, como em consultas públicas e outros fóruns, as necessidades das mulheres, bem como as de idosos e adolescentes, aparecem. Mas, nas tomadas de decisão, essas demandas somem”, comenta a cicloativista.

 

Para Linke, falta um olhar mais inclusivo nas pessoas envolvidas nessas discussões. “Se não formos capazes de entender melhor o público a que o transporte serve no Brasil e suas necessidades, continuaremos reproduzindo um modelo desigual, que não promove inclusão nem proporciona bem-estar a quem o utiliza”, afirma Linke. (O Estado de S. Paulo)