Gazeta do Povo/Bloomberg
Este está se tornando um dos piores anos de todos os tempos para os trabalhadores da indústria automobilística em todo o mundo, em meio à demanda cada vez menor e uma mudança tectônica na tecnologia de veículos, com Daimler e Audi anunciando quase 20 mil cortes de empregos na semana passada. No total, as montadoras vão eliminar mais de 80 mil empregos nos próximos anos, segundo dados compilados pela Bloomberg News. Embora os cortes estejam concentrados na Alemanha, nos EUA e no Reino Unido, as economias de crescimento mais rápido não estão imunes e também veem montadoras reduzirem suas operações.
As empresas alemãs se juntaram à General Motors, Ford e Nissan em demissões em massa durante o ano passado. O setor está em frangalhos quando as tensões e tarifas comerciais aumentam os custos e sufocam investimentos, e os fabricantes reavaliam sua força de trabalho em uma era voltada ao elétrico, à direção autônoma e a serviços sob demanda.
A indústria automobilística global produzirá 88,8 milhões de carros e caminhões leves em 2019, uma queda de quase 6% em relação a ano anterior, segundo a IHS Markit. A VDA, associação da indústria automobilística alemã, anunciou na última quarta-feira (4) que prevê a continuidade desse declínio no próximo ano, com entregas globais de 78,9 milhões de veículos, o nível mais baixo desde 2015.
O ritmo de cortes de empregos na casa da Mercedes-Benz, Porsche e BMW deve ser “mais pronunciado em 2020”, disse o presidente da VDA, Bernhard Mattes, em uma entrevista coletiva em Berlim. Sozinha, a mudança tecnológica deve colocar 70 mil empregos em risco na próxima década. “É uma mudança estrutural fundamental, com investimentos enormemente altos, em um momento de deterioração da dinâmica do mercado: a tensão está sendo sentida em muitas empresas”, disse Mattes.
Também estão sendo realizados cortes na China, que emprega o maior número de pessoas no setor e está atolada em uma queda nas vendas. A startup de veículos elétricos NIO Inc., que perdeu bilhões de dólares e assistiu a queda de suas ações listadas em Nova York, demitiu cerca de 20% de sua força de trabalho até o final de setembro, perdendo mais de 2 mil empregos.
“A desaceleração persistente nos mercados globais continuará afetando as margens e os ganhos das montadoras, que já foram prejudicados pelo aumento dos gastos em P&D para a tecnologia de direção autônoma”, disse Gillian Davis, analista da Bloomberg Intelligence. “Agora, muitas montadoras estão focadas em economia de custos para evitar a erosão de suas margens”.
Reação
Os operários do chão de fábrica estão se levantando contra os cortes. Os mais de 46 mil trabalhadores horistas da GM nos EUA realizaram recentemente uma greve de 40 dias – a mais longa contra a empresa em quase meio século -, mas só conseguiram convencer a montadora a manter aberta uma das quatro plantas americanas que a companhia planejava fechar um ano atrás.
Em 22 de novembro, cerca de 15 mil pessoas marcharam nas ruas para protestar contra demissões e fechamento de fábricas em Stuttgart, cidade alemã que abriga a sede global de Daimler, Porsche e o principal fornecedor de peças Robert Bosch. As principais autoridades sindicais – que representam trabalhadores da Mercedes-Benz, Audi e muitos fabricantes de peças – afirmam que as empresas estão usando a mudança para veículos elétricos como uma desculpa para promover cortes mais profundos e aumentar os lucros.
As preocupações com o trabalho se provaram justificadas. A Audi anunciou uma semana depois que eliminará até 9.500 posições na Alemanha até 2025, enquanto a controladora Volkswagen se prepara para uma transição onerosa para veículos elétricos. A Daimler anunciou planos para demitir mais de 10 mil empregados em todo o mundo.
Se fosse um país, a indústria automobilística seria a sexta maior economia do mundo, de acordo com a Fircroft, empresa especializada em colocação profissional de técnicos. Apenas na Alemanha, incluindo operações locais de fabricantes estrangeiros, cerca de 150 mil empregos podem estar em risco nos próximos anos, segundo estimativas do Centro de Gerência Automotiva do país.
Cenário nebuloso
As nuvens começaram a se formar para as montadoras americanas no ano passado, quando a Ford revelou planos para uma reestruturação de US$ 11 bilhões. A empresa fez uma série de anúncios desde então, cortando cerca de 10% de suas fileiras assalariadas globais e fechando seis fábricas: três na Rússia e as outras três divididas entre Estados Unidos, Reino Unido e França. Dos cerca de 17 mil empregos que a Ford está eliminando, 12 mil estarão na Europa.
O estado dos empregos nas fábricas de automóveis nos EUA é menos claro, principalmente graças a novos contratos que as montadoras de Detroit negociam para os próximos quatro anos.
As perspectivas pareciam um tanto sombrias para o sindicato United Auto Workers quando as negociações começaram há alguns meses. Com a desaceleração da demanda por veículos, as mudanças de produção estavam sendo reduzidas em todo o país – pela Nissan em sua fábrica de caminhões e vans no Mississippi, a Fiat Chrysler em sua fábrica da Jeep Cherokee em Illinois e a Honda em uma fábrica de Ohio que produz sedans. Os trabalhadores temem que carros plug-in, que tenham menos peças e exijam menos mão de obra para a construção acabem com os trabalhos de automóveis.
No final, o UAW anunciou compromissos da GM, Ford e Fiat Chrysler de investir quase US$ 23 bilhões em instalações nos EUA ao longo dos próximos quatro anos e de adicionar ou reter mais de 25 mil empregos. Embora isso pareça muito, resta saber se os gastos realmente aumentarão a produção, uma vez que a conversão ou a alteração de equipamentos para adaptar as plantas à produção de carros elétricos e powertrains custam bilhões às companhias”. (Gazeta do Povo/Bloomberg/Christoph Rauwald, David Welch e Anurag Kotoky)