O Estado de S. Paulo/The New York Times
Executivos da indústria automobilística são pagos para ser otimistas, mas, por trás da pompa e do espírito comercial no recente Salão do Automóvel de Frankfurt, um dos eventos mais importantes do setor, uma inconfundível sensação de medo estava à espreita.
Os mercados europeus e globais de automóveis estão em declínio. Os fabricantes de carros estão apostando seus futuros em veículos elétricos, cuja aceitação comercial não foi testada. As indústrias enfrentam pressões do público e das autoridades regulatórias em razão do papel desempenhado pelos veículos na mudança climática. A guerra comercial global interrompeu as cadeias de fornecimento.
Até as feiras de automóveis estão ameaçadas. Muitos fabricantes diminuíram sua presença em Frankfurt este ano ou ignoraram o evento totalmente. Empresas como Toyota e Fiat Chrysler concluíram que os benefícios não justificam os milhões de euros necessários para montar um estande.
“Estamos em uma situação sem precedentes”, afirmou Wolf-Henning Scheider, executivo-chefe da ZF Friedrichshafen, uma fabricante alemã de transmissão automotiva que possui fábricas nos Estados Unidos, na Europa e na China. Uma dos maiores lições do evento é que sustentabilidade se tornou uma questão de sobrevivência. Entre protestos de grupos ambientalistas, fabricantes de carros adotaram medidas para demonstrar que levam a sério essa transformação.
A Volkswagen, que, de acordo com seus próprios cálculos, é responsável por mais de 1% das emissões mundiais de gases de efeito estufa, está produzindo seu sedã elétrico ID.3 em fábricas movidas a energia solar e eólica. A empresa está compensando quaisquer emissões adicionais financiando um projeto nas florestas tropicais de Borneo. Ola Källenius, executivo-chefe da Daimler, afirmou que as fábricas Mercedes-Benz da empresa serão neutras em emissões de carbono no ano que vem.
Uma gama de fabricantes de carros, incluindo Honda e BMW, também exibiu no evento carros acessíveis movidos a baterias. Com incentivos disponíveis dos Estados Unidos, na Alemanha e em outros países, o preço final desses veículos deve ficar na casa dos 30 mil euros (US$ 33 mil) ou menos.
Mas ninguém sabe se esses veículos serão populares o suficiente para justificar o investimento e permitir aos fabricantes de carros atender às metas de economia de combustível que a União Europeia projeta para o próximo ano. Carros movidos a bateria também tendem a ser menos lucrativos para os fabricantes – que são obrigados a comprar as baterias de fornecedores como LG Chem, da Coreia do Sul, Panasonic, do Japão, ou CATL, da China, que ficam com uma fatia dos lucros.
Ainda assim, o foco principal é a eletrificação. Baterias para carros elétricos fizeram um rápido progresso na década mais recente. A mais nova geração do Renault Zoe consegue rodar 395 quilômetros com uma carga, mais que o dobro da capacidade da primeira geração, que entrou no mercado em 2012. Thierry Bolloré, executivo-chefe da Renault, afirmou que a empresa está trabalhando no projeto de um carro elétrico que custará 10 mil euros (US$ 12 mil). “Temos uma estimativa clara de que isso é um objetivo atingível”, afirmou Bolloré.
Outros estão mais pessimistas. A predominante tecnologia de íon de lítio provavelmente atingirá seu limite em cinco anos, afirmou Marcus Schäfer, chefe de pesquisa e desenvolvimento da Daimler. O progresso futuro dependerá de novas tecnologias, como baterias de estado sólido, que ainda não estão prontas para produção em massa. “Precisamos de um salto quântico na tecnologia”, afirmou Schäfer.
Algumas empresas se adaptarão às novas tecnologias, mas outras não serão capazes de investir o suficiente para permanecer competitivas. Fusões seriam uma saída para as empresas mais fracas, mas elas têm se mostrado dificultosas. A reestruturação vindoura pode impactar os fornecedores, particularmente as empresas menores que fornecem peças para motores a combustão.
“Em toda crise ocorre algum tipo de consolidação”, afirmou Derek Jenkins, vice-presidente sênior de design da Lucid, empresa da Califórnia que planeja começar a produzir um carro elétrico de luxo até o fim de 2020. Financiada por investidores sauditas, a Lucid é um exemplo de uma startup que desafia os fabricantes de veículos já consolidados. “Marcas desaparecem”, afirmou Jenkins. “Isso acontecerá no próximo ciclo de crise”. (O Estado de S. Paulo/The New York Times/Jack Ewing, com tradução de Augusto Calil)